A análise é da Bloomberg, que nota que em 2022, e pela primeira vez na história dos vistos gold, há mais norte-americanos a recorrer ao programa em Portugal do que chineses.
O problema não é falta de procura. Afinal, "Runxue", que significa “planear a fuga”, é o novo termo em voga entre a classe média chinesa. O termo que une a palavra inglesa ‘Run’ (“fugir”, em português) e a palavra chinesa ‘Xue’ (“estudar ou analisar”, em português) tornou-se viral nas redes sociais do país.
E, em Portugal, os chineses são tradicionalmente os principais investidores no programa vistos gold.
Mas se é verdade que o país tem muito a oferecer — sol, praia, segurança e um bilhete de livre circulação Schengen —, há também entraves a considerar, como a necessidade de uma entrevista presencial para aceder ao visto, a manifesta "antipatia" da União Europeia por passaportes e vistos dourados e até a discussão interna em curso.
Vamos a números que ajudam a entender o fenómeno.
Primeiro, o programa de vistos gold em Portugal continua a atrair investimento. Segundo dados do SEF, o valor captado através dos vistos gold subiu 33% no primeiro semestre deste ano, face a igual período do ano passado, para 316,2 milhões de euros.
No total do semestre, foram atribuídas 649 Autorizações de Residência para Atividade de Investimento (ARI) — 94 em janeiro, 94 em fevereiro, 73 em março, 121 em abril, 112 em maio e 155 em junho.
Destes 649 vistos gold atribuídos, 124 foram para norte-americanos e 105 para chineses, sendo as duas nacionalidades dominantes.
E esta é uma inversão que nunca se tinha registado antes, já que os investidores de nacionalidade chinesa dominam o programa de concessão de vistos gold desde 2013 — sendo que este foi lançado em outubro de 2012.
Só no primeiro trimestre deste ano, o investimento chinês captado por via dos vistos gold caiu 60% para 20,7 milhões de euros. Recorde-se que, por comparação, no primeiro trimestre de 2021, a China liderava o top 5 por nacionalidades do programa de Autorização de Residência para Investimento (ARI), com um montante captado de 51,7 milhões de euros e 100 vistos 'gold' concedidos.
Contas feitas, desde a sua criação e até ao primeiro semestre deste ano, o ARI captou 6.416.041.013,55 euros em investimento estrangeiro. Deste montante, a maior parte corresponde à compra de bens imóveis. No total, foram atribuídos 10.903 vistos gold: dois em 2012, 494 em 2013, 1.526 em 2014, 766 em 2015, 1.414 em 2016, 1.351 em 2017, 1.409 em 2018, 1.245 em 2019, 1.182 em 2020, 865 em 2021 e 649 em 2022 (no primeiro semestre do ano).
Ter o ARI português permite aos cidadãos estrangeiros residir e trabalhar no país, circular pelo espaço Schengen (veja aqui a lista de países) e beneficiar de reagrupamento familiar. Para ter acesso é preciso garantir uma das seguintes condições:
- transferir para Portugal capitais num montante igual ou superior a 1 milhão de euros;
- criar, pelo menos, 10 postos de trabalho;
- adquirir bens imóveis de valor igual ou superior a 500 mil euros;
- adquirir bens imóveis e realizar nestes obras de reabilitação no montante global igual ou superior a 350 mil euros;
- transferência de capitais para investigação (350 mil euros) ou para apoio à produção artística (250 mil euros);
- aquisição de unidades de participação em fundos de investimento ou fundos de capitais de risco vocacionados para a capitalização de empresas num montante igual ou superior a 350 mil euros;
- transferência de capitais destinados à constituição de uma sociedade comercial com sede em território nacional num montante igual ou superior a 350 mil euros.
Além do investimento, os candidatos têm de apresentar toda a documentação pessoal, certificado de antecedentes criminais e ainda comparecer numa entrevista presencial — o que se revelou particularmente difícil a cidadãos chineses face às restrições impostas pelo seu país com vista a combater a covid-19.
A China pratica, desde o início da pandemia, uma política de 'zero covid', que implica a aplicação imediata de medidas de confinamento, testes em massa e restrições nas deslocações quando um surto é detetado num determinado local. Mas a insistência em medidas rígidas, quando o resto do mundo vislumbra uma fase endémica para a doença, começa também a dividir a opinião pública chinesa, cansada dos sucessivos confinamentos e restrições.
Paralelamente, está a apertar o controlo aos vistos gold. Em março deste ano, o Parlamento Europeu exigiu o fim dos passaportes dourados e uma regulamentação mais apertada dos regimes de residência, os vistos gold, vincando que ambos não devem ser concedidos a oligarcas russos, numa altura de aceso confronto com a Rússia por causa da invasão da Ucrânia.
Para os eurodeputados, os regimes de concessão de cidadania pelo investimento (conhecidos como passaportes dourados), ao abrigo dos quais nacionais de países terceiros obtêm direitos de cidadania em troca de um investimento financeiro, “comprometem a essência da cidadania da UE”.
Estes regimes, consideram, equivalem a “parasitismo”, pelo que devem ser “progressivamente eliminados devido aos riscos que comportam”. E, assim sendo, o Parlamento Europeu solicitou à Comissão Europeia que apresente, antes do fim do seu atual mandato, uma proposta legislativa para o efeito.
“A cidadania europeia não é um bem que possa ser comercializado ou vendido”, defenderam os eurodeputados, numa alusão aos regimes ainda existentes em Malta, na Bulgária (onde o governo apresentou uma proposta de lei para pôr termo ao regime) e no Chipre (o executivo anunciou a conclusão da análise de todos os pedidos de cidadania cipriota pendentes antes de novembro de 2020).
Já no que toca aos vistos gold, o Parlamento Europeu pede a criação de regras comuns ao nível da UE para harmonizar as normas e procedimentos, de forma a reforçar a luta contra o branqueamento de capitais, a corrupção e a evasão fiscal.
O países que concedem vistos gold, como é o caso de Portugal, são incentivados a fazer uma verificação rigorosa dos antecedentes dos requerentes (incluindo dos seus familiares e das fontes dos fundos financeiros), criar obrigações de comunicação de informações e exigir requisitos mínimos de presença física e participação ativa, qualidade, valor acrescentado e contribuição para a economia.
Além de Portugal, também a Bulgária, Chipre, Estónia, Grécia, Irlanda, Itália, Letónia, Luxemburgo, Malta, Holanda e Espanha aplicam regimes de residência para atividade de investimento em que os níveis mínimos exigidos variam entre 60 mil euros (Letónia) e 1,25 mil milhões de euros (Holanda).
Internamente há igualmente uma discussão em curso sobre o o programa de atribuição de vistos gold.
Em 17 de junho último, o parlamento chumbou as propostas do PCP, BE e PAN para acabar com estes vistos dourados, assim como a do Chega para alargamento do regime, com o PS a defender que é tempo de avaliação.
Durante o debate, Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, defendeu o fim do “imoral” regime, pela “defesa de dignidade do nosso país”, argumentando que “os valores pouco valem para estes partidos quando o que está em causa é o dinheiro”.
A proposta do seu partido, que previa o fim dos vistos gold, foi chumbada com os votos contra do PS, PSD, Chega e Iniciativa Liberal e a favor do PCP, BE, PAN e Livre.
Votação idêntica tiveram as propostas do PCP que pretendiam a revogação do regime de atribuição de autorização de residência para atividade de investimento e a do PAN, que também previa a revogação do regime.
Inviabilizado foi igualmente um projeto de lei do PAN para obrigar o Governo a elaborar e entregar ao parlamento um relatório de avaliação do impacto do programa dos vistos gold no período de 2012 e 2021, com os votos contra do PS, abstenção do PSD e os votos favoráveis do Chega, Iniciativa Liberal, PCP, BE, PAN e Livre.
Foi ainda chumbada a proposta do Chega, para alargamento do regime, introduzindo a hipótese de concessão para transferência de capitais no montante igual ou superior a 250 mil euros, que fosse “aplicado em investimento em empresas dos sectores da agricultura, investigação e desenvolvimento, turismo ou ambiente”, com os votos contra do PS, PCP, BE, PAN e Livre, a abstenção do PSD e Iniciativa Liberal e os votos a favor do Chega.
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