A Comissão Europeia, que apresentou em outubro a sua proposta legislativa sobre a matéria, está ciente das dificuldades e tem insistido que não quer impor aos países valores, mas sim indicadores, critérios e objetivos que assegurem uma qualidade de vida decente aos trabalhadores, compatível com o padrão de vida do país onde exercem a atividade.
A questão suscita desde logo dúvidas jurídicas porque, embora não vise harmonizar os valores dos salários mínimos na Europa, pressiona uma subida do salário mínimo nos países que o têm determinado por lei.
Os tratados reconhecem a competência de cada Estado-membro na fixação de salários, mas a Comissão apoia-se numa interpretação flexível que integra o salário nas condições de trabalho, o que para alguns juristas, caso seja uma diretiva, resultará numa interferência nas competências nacionais.
Atualmente, 21 Estados-membros têm um salário mínimo definido por lei, enquanto nos restantes seis - Áustria, Chipre, Dinamarca, Finlândia, Itália e Suécia – só através de negociação coletiva é que este existe.
São sobretudo estes seis países que se opõem ao conceito.
Contra a proposta estão também as associações patronais, que argumentam que ela pode vir a pôr em causa a viabilidade das empresas europeias, já fortemente afetadas pela crise pandémica da covid-19.
Bruxelas afasta completamente a ideia de um salário mínimo igual em todos os 27.
Na apresentação da proposta, Nicolas Schmit, o comissário do Emprego e Assuntos Sociais, frisou que o objetivo é uma “convergência para cima” e sublinhou que “quase 10% dos trabalhadores na UE vivem na pobreza, e isto tem de mudar, pois as pessoas que têm um trabalho não deveriam sofrer para chegar ao final do mês”.
O comissário aludia à chamada “pobreza no trabalho”, que em alguns Estados-membros se traduz num salário mínimo que, depois de impostos, fica abaixo do limiar convencionado de risco de pobreza e exclusão social - 50% do ordenado médio -, o que afetava em 2018 quase 10% dos trabalhadores da UE, dois terços dos quais mulheres.
Em declarações à Lusa em setembro, Nicolas Schmit apontava outra prioridade: “Os salários mínimos devem permitir ter uma vida decente, mas também é algo que temos de fazer por uma concorrência justa na Europa. Não podemos basear a concorrência no ‘dumping’ salarial e em baixos salários. Não é o caminho certo”.
“A ideia de haver um salário mínimo efetivo justo para cada país, dependendo obviamente das circunstâncias económicas e financeiras de cada um e do seu sistema laboral, seria muito importante”, afirmou, em setembro, a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Ana Paula Zacarias.
Apesar de admitir que este objetivo “não é fácil”, a governante espera que seja possível “um consenso em torno destas ideias que serão fundamentais para o futuro” durante a presidência portuguesa.
Mas o salário mínimo europeu é apenas um dos instrumentos do futuro plano de ação do Pilar dos Direitos Sociais, que Portugal quer ver aprovado na Cimeira Social de 7 e 8 de maio, no Porto.
O objetivo é aprovar um programa com medidas concretas para executar o Pilar Social Europeu, um texto não vinculativo de 20 princípios para promover os direitos sociais na Europa aprovado em Gotemburgo (Suécia) em novembro de 2017.
O texto defende um funcionamento mais justo e eficaz dos mercados de trabalho e dos sistemas de proteção social, nomeadamente ao nível da igualdade de oportunidades, acesso ao mercado de trabalho, proteção social, cuidados de saúde, aprendizagem ao longo da vida, equilíbrio entre vida profissional e familiar e igualdade salarial entre homens e mulheres.
A Comissão Europeia está a preparar a sua proposta para o plano de ação e deve apresentá-la formalmente em janeiro ou fevereiro, cabendo à presidência portuguesa conduzir o debate e negociar um compromisso entre os 27 que permita ‘fechar’ um acordo em maio.
O executivo europeu prometeu um “plano de ação ambicioso”, que permita “impedir que a crise económica e sanitária se transforme numa crise social” e garantir “que ninguém é deixado para trás durante a recuperação europeia”.
“Para mim, a dimensão social é um pilar indispensável da nossa UE e sei que neste, como aliás noutros temas, Portugal está do meu lado”, afirmou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em entrevista à Lusa em setembro.
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