“Se o mercado de energia estabilizar depois da primavera do ano que vem, as metas da POE2022 [proposta de Orçamento do Estado para 2022] talvez estejam salvaguardadas. Caso contrário, não estarão”, considera o economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Rosa.
Na sua opinião, o atual impacto da subida dos preços da energia, dos combustíveis à eletricidade e gás, “é de curto prazo”.
“Mas, se se prolongar além da primavera do ano que vem, teremos, talvez, uma revisão em baixa do crescimento da economia portuguesa e em alta da inflação, ou seja, estagflação e uma série de situações indesejáveis, desde a diminuição do rendimento disponível das famílias e maiores custos para as empresas”, admite.
O economista sénior do Banco Carregosa recorda que a POE2022 “projeta um preço do barril de petróleo de Brent, referência para Portugal, de 64,70 dólares”, quando atualmente “a sua cotação é de 84 dólares por barril, ou seja, 30% acima”.
“Depreende-se que o executivo português prevê uma correção do petróleo em 2022. E, em boa verdade, a cotação de um dos principais ativos de refúgio e de proteção contra a inflação - o ouro - corrobora a projeção do Governo e antecipa uma melhoria dos preços da energia na primavera do próximo ano”, refere.
Com “as empresas norte-americanas de petróleo de xisto a regressarem gradualmente ao mercado e os países da OPEP+ a reporem mensalmente o petróleo que haviam cortado no ano passado”, Paulo Rosa diz que se “aguarda um aumento da oferta de crude e uma estabilização dos preços do petróleo”, pelo que “a previsão de 64,70 dólares por barril de petróleo do executivo português na POE2022 não parece descabida de todo e poderá mesmo ser, em parte, exequível”.
Adicionalmente, nota, “os principais bancos centrais, BCE [Banco Central Europeu) e Fed [Reserva Federal dos EUA], também confirmam uma inflação temporária”.
“Atualmente, tudo indica que seja um fenómeno temporário e de escassez de energia devido à retoma da economia, à fraca produção de energia eólica e à aceleração da transição energética. Mas, se a situação se prolongar no tempo, a Europa tem hoje ferramentas (mais meios de produção de eletricidade, por exemplo, como o nuclear) que não tinha aquando da crise energética e consequente estagflação na década de 1970, altura em que estava muito mais dependente do petróleo dos países da OPEP [Organização dos Países Exportadores de Petróleo]”, conclui.
Já o economista e presidente da IMF - Informação de Mercados Financeiros, Filipe Garcia, destaca que, “tipicamente, no curto prazo, a subida dos preços da energia tem um impacto negativo na economia por várias vias, desde logo ao nível do consumo das empresas e famílias, dado que é necessário afetar mais recursos às compras de energia e há uma alteração do perfil de consumo”.
“No caso das empresas, não só as margens ficam mais comprimidas, como podem, mesmo, decidir reduzir a produção – há relatos de empresas a equacionarem encerrarem turnos de produção porque não compensa dados os custos de energia”, disse, em declarações à agência Lusa.
Já “no caso das famílias, o perfil de consumo altera-se, até porque a confiança (sentimento económico) se reduz”, sendo que, “a prazo, se a inflação subir, poderá implicar uma redução nos consumos”.
Numa perspetiva “mais macro”, e sendo Portugal um importador líquido de energia, o economista da IMF antecipa também “uma deterioração da balança comercial e nos termos de troca”.
“Ao nível do Estado, no que aos combustíveis diz respeito, a forma como o imposto é calculado (‘ad valorem’, proporcionalmente ao valor) faz com que os montantes cobrados aumentem”, sendo que, como “há alguma rigidez na procura, mesmo com alguma redução de consumo de combustíveis é provável que o efeito líquido seja positivo”, sustenta.
Pelo contrário, “na eletricidade, as empresas do setor público também são afetadas negativamente” pelo aumento dos custos energéticos, acrescenta.
Na opinião de Filipe Garcia, as metas do OE2022 só ficarão, contudo, “em risco caso as previsões de crescimento económico não se concretizem”, o que “está mais dependente da conjuntura internacional”.
“Em termos fiscais, a subida dos combustíveis e eletricidade, por si só, não me parece que faça perigar o OE2022, a não ser, claro, que o Estado decida subsidiar de forma significativa os custos com energia às empresas e famílias”, considera.
Por sua vez, Henrique Tomé, analista da X-Trade Brokers (XTB), reconhece que, “se a tendência de alta [dos preços] se prolongar durante os próximos meses, tal como se especula que aconteça, o setor empresarial deverá sair prejudicado, em conjunto com as famílias”.
“As margens das empresas podem baixar, poderá surgir um reajuste dos preços praticados e o consumidor terá de pagar estes ajustes”, diz, antecipando que, “na parte do consumo, poderá começar a surgir um abrandamento no consumo de determinados produtos”.
Para tentar “atenuar e mitigar as recentes subidas dos preços”, o analista da XTB admite também que “o Estado poderá intervir com medidas de apoio, através da redução da carga fiscal”, sendo que, neste caso, “as metas do OE terão de ser revistas novamente”.
“Já há muito tempo que as principais economias mundiais não lidavam com períodos de elevada inflação. Os programas de estímulos utilizados para combater os efeitos da pandemia são uma das razões por detrás da atual situação. As limitações do lado da oferta também têm desempenhado um papel importante, acabando por alimentar o aumento dos preços dos produtos de base, tendo como resultado um choque na inflação”, explica Henrique Tomé.
Advertindo que “o pico sazonal ainda não foi atingido”, este analista deixa em aberto uma possível “continuação de alta nos preços destas, sobretudo com o início do inverno, uma altura em que a procura tende a aumentar”.
Comentários