Aveiro está longe de ser o único distrito afetado pela pandemia, num país onde 99,9% do tecido empresarial são PME, leia-se pequeníssimas e micro empresas. O último reporte da CIP, com base no inquérito efetuado às associações empresariais suas filiadas, e a que o SAPO 24 teve acesso, revela o impacto do Covid-19 por setor e por região.

Enquanto as dificuldades no abastecimento já são muito fortes na área das tecnologias de informação e eletrónica ou nos prestadores de cuidados de saúde, ao nível regional, uma das regiões mais afetadas parece ser a Madeira, onde é esperada também uma muito forte redução da procura.

Na Região Autónoma da Madeira as previsões apontam para quebras de atividade na ordem do 50% nos próximos três meses, com tendência crescente. Pela frente, as empresas da região esperam "uma degradação muito rápida e abrupta", em três fases: quebra repentina das vendas (40% a 80%), que se manterá em níveis muito baixos até final de junho, quebra moderada a forte das vendas (10% a 20%), com a inflexão da situação e alguma recuperação da actividade económica no terceiro trimestre deste ano, e quebra ligeira/recuperação da normalidade, no quarto e último trimestre de 2020.

Outras regiões do país poderão sofrer danos mais permanentes ou, pelo menos, demorar mais tempo a recuperar.

Na região da Beira Baixa, 81,3% dos constrangimentos correspondem a dificuldades no abastecimento de matérias-primas em mercados como a China, França, Espanha, Itália, Bélgica, Reino Unido, Alemanha ou mesmo Portugal e 53,1% a dificuldades de escoamento de produtos para a Suíça, Alemanha, Holanda, China, Itália, Taiwan, Japão ou Angola.

Mas a redução da produção, a limitação de stocks, a redução de encomendas e a ausência de recursos humanos (devido a doença, suspensão de transportes públicos ou encerramento das escolas, por exemplo), além do cancelamento ou adiamento da participação em eventos internacionais, representam também um enorme problema, num distrito que vive muito do enoturismo.

O surto de Covid-19 tem um impacto negativo na atividade económica de 85,7% das empresas do distrito, sendo muito significativo para 29,5% do tecido empresarial da região. Os setores mais afetados são a hotelaria e o turismo. Ainda assim, 18,9% dos inquiridos afirmam que a pandemia poderá ter um impacto positivo no aumento da procura.

No distrito de Vila Real as coisas não são muito diferentes, e o impacto vai ser predominantemente no turismo, na região do Douro, onde já se verificam cancelamentos de reservas e uma redução da atividade da hotelaria e restauração.

E se no distrito de Aveiro 66 empresas encerraram as linhas de produção, afetando 1897 trabalhadores, das 502 respostas obtidas ao inquérito 41,6% admite que o impacto nas exportações ainda é nulo, e apenas 4,8% admite estar já a sofrer consequência muito fortes. Em relação à procura, 28,5% afirmam que o impacto é pouco significativo, mas 8% já estão a sentir um choque muito forte.

Segundo os últimos dados disponíveis, o tecido empresarial de Aveiro representava cerca de 6,7% do total das empresas em Portugal, contribuindo com cerca de 4% do total de IRC pago no país. O peso da produção global do distrito na produção nacional atinge os 5,7%, um valor apenas superado pelos distritos de Lisboa e do Porto.

Os setores predominantes na região são a indústria transformadora e o comércio, que representam, respetivamente, 50% e 32% do volume de negócios do distrito. Ainda, o setor das pescas tem um peso de 19% no total das vendas do país.

O distrito de Aveiro tem uma população de aproximadamente 714 mil pessoas, representando um crescimento de mais de 9% nas últimas duas décadas e colocando a região bastante acima da média nacional em termos de densidade populacional. A estrutura etária é predominantemente jovem: 26% da população com idade inferior a 25 anos e uma população ativa é de perto de 56%.

Como cada setor sente a crise

Segundo o inquérito, na indústria da cerâmica os clientes estrangeiros estão já a alertar para a quebra das vendas e a possibilidade de virem a cancelar todas as encomendas colocadas para entrega durante os meses de maio e junho.

No caso das pedreiras, a situação é dramática: é que a China é um mercado relevante para os calcários portugueses da região centro. O normal seria os compradores chineses virem no início do ano a Portugal selecionar a pedra pretendida para todo o ano de 2020. Este ano, isso não aconteceu, e os compradores começam agora a aparecer, pontualmente.

Há empresas que exportam a totalidade da produção para a China e ainda não conseguiram escoar a matéria-prima, que agora tentam colocar no mercado interno. As empresas estão com dificuldade em exportar até pela falta de contentores e transportadores - alguns barcos suprimiram os portos nacionais das suas rotas e os fretes marítimos sofreram aumentos consideráveis.

No setor da metalurgia e metalomecânica também há empresas habituadas a comprar matérias-primas e pequenos componentes na China. No caso das matérias-primas, estão a conseguir alternativas e há também fabricantes portugueses que podem ocupar o espaço dos componentes, embora com algum agravamento dos custos. Se o cenário se mantiver, é expectável uma redução dos negócios e a consequente redução do número de trabalhadores.

A Itália tem vindo a ganhar importância para a indústria portuguesa, que para lá exporta peças técnicas e componentes para tecnologias de produção. Se a pandemia se prolongar, pode causar uma redução da produção, até porque as empresas dos grupos internacionais já estão a funcionar a meio gás.

Motoristas recusam-se a fazer entregas para países como Itália

Na indústria dos cortes as dificuldades perspetivam no curto prazo: algumas transportadoras deixaram de fazem viagens para determinados destinos, especialmente Itália, "onde os motoristas se recusam a fazer entregas". O atraso na expedição de encomendas para clientes do Oriente, a subida do preço dos transportes e o atraso na liquidação de faturas pode levar à redução do volume de negócios - uma parcela importante dos artigos tem como destino a China, em clara retração de consumo, com efeito de contágio a outros mercados.

Por seu lado, a forte vertente exportadora do setor da cortiça está a ser comprometida. "Pela via do consumo há já consequências diretas na vida das empresas, sendo evidente a redução de encomendas". As restrições tomadas por cada país ao nível da mobilidade de cidadãos e mercadorias estão a ter um impacto negativo na gestão das empresas portuguesas.

No caso do têxtil e vestuário, estima-se que ao longo desta semana um elevado número de empresas do setor reduza a sua atividade e comece a ter graves problemas de tesouraria, em particular devido ao cancelamento de encomendas antigas e à inexistência de novas encomendas, bem como ao não pagamento de encomendas já entregues.

O setor da química, petroquímica e refinação é muito focado na internacionalização e "depende de um significativo leque de matérias-primas importadas para a sua laboração". Por outro lado, está sujeito a um elevado número de obrigações nacionais e europeias, designadamente de reporte ambiental.

O setor produz bens vitais para praticamente todas as cadeias de valor/setores nacionais, bem como para algumas áreas críticas para o combate ao COVID-19, como é o caso de gases medicinais e dispositivos médicos, produtos de desinfeção e tratamento de águas residuais. Algumas unidades de produção trabalham em laboração contínua (24 sobre 24 horas), com implicações muito graves em caso de shut down.

Há já mercados-chave de exportação fechados, com as consequentes perdas financeiras, e o fecho ou redução da produção em mercados de origem fundamentais para o setor, com impacto negativo na capacidade produtiva. Mas também se verificou em algumas empresas um pico exponencial de procura devido à crise.

Muitos dos impactos, parte dos quais não referidos neste inquérito, são esperados mas ainda não sentidos pelas empresas; a nível logístico (abastecimento, laboração e escoamento de produtos), de restrição à circulação de bens e pessoas em território nacional e internacional, de falta de pessoal em áreas chave, que implicará problemas com a capacidade de resposta/produção. Tudo isto poderá resultar em fechos de produção.

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