"Estimamos que existe uma população entre 25 e 30 milhões de cidadãos que se encontram hoje vulneráveis a cair na pobreza", afirma George Gray, principal autor do estudo e economista-chefe do PNUD para a América Latina e Caribe. "Isto significa uma em cada três pessoas que saíram da pobreza nos últimos 15 anos. É um número enorme", lamentou Gray durante a apresentação à imprensa do relatório "Progresso multidimensional: bem-estar além do rendimento".
Segundo as Nações Unidas, nos últimos 15 anos a América Latina viveu as maiores quotas de bem-estar da sua história, devido ao crescimento económico, às políticas públicas governamentais e a vários subsídios para os mais necessitados. Graças a estas políticas, 72 milhões de pessoas saíram da pobreza - metade no Brasil - e 94 milhões entraram para a classe média, sobretudo no Brasil, Argentina, Colômbia, México e Peru, segundo a ONU.
No entanto, entre 2015 e 2016 aumentou o número absoluto de pobres pela primeira vez em 10 anos. A América Latina mergulha num período de retração económica e aumento do desemprego que ameaça alguns dos êxitos alcançados em termos de bem-estar. De acordo com a Comissão Económica para a América Latina e Caribe (CEPAL), a atividade económica regional vai contrair pelo segundo ano consecutivo e cairá, em 2016, 0,6%, com diminuição do consumo, da procura interna e dos preços das matérias-primas como petróleo e minerais.
Além disso, o desemprego aumentará 7% em 2016, depois de alcançar em 2015 a marca de 6,5%, o pior resultado em seis anos. "Esta situação afeta o rendimento e o bem-estar dos lares vulneráveis", afirmou Gray. "O progresso de milhões de pessoas deveu-se a políticas dedicadas à redução da pobreza, combinadas com um momento de bonança e recursos, mas, com a desaceleração atual, obviamente haverá menos recursos para o investimento governamental para os menos favorecidos", afirmou Jessica Faieta, diretora do PNUD para a América Latina.
Adeus, Adam Smith
Apesar da contração económica, o relatório faz um apelo aos governos para continuarem a investir nos mais pobres, no momento em que 220 milhões de pessoas (38%) correm o risco de voltar para uma situação de pobreza - e um em quatro latino-americanos vive com menos de quatro dólares por dia.
No entanto, avisa que "não é suficiente regressar ao crescimento, já que a extensão da proteção social e os sistemas de cuidados para crianças, idosos e deficientes físicos, o acesso a ativos financeiros e uma melhor qualidade do emprego são vitais" para proteger os êxitos alcançados. "Muitos falam de como blindar o crescimento da economia, mas a pergunta mais importante é como proteger as conquistas e romper exclusões que afetam milhões de pessoas na região", afirmou Gray. "Nenhuma das conquistas sociais e económicas recentes alcançadas na região foi produto do 'laissez faire'", adverte o estudo em referência à teoria económica liberal do escocês Adam Smith, segundo a qual o Estado deve deixar a economia para o livre mercado.
Continua a desigualdade
O PNUD também alerta no seu documento que alguns grupos sociais permaneceram na pobreza e marginalidade. De acordo com o texto, os indígenas, afrodescendentes, camponeses, jovens, mulheres e minorias sexuais não puderam alcançar o progresso em igualdade de condições, já que o seu acesso ao mercado de trabalho se vê condicionado por vários fatores. Por esse motivo, também são necessárias políticas "para atacar as exclusões que transcendem as linhas de pobreza", como as referentes à qualidade de género, ao combate à violência machista, ao cuidado com o meio ambiente, a segurança ou a proteção dos direitos das minorias. "Continuamos uma região desigual. Há grupos de população que não beneficiaram deste progresso nos últimos 15 anos, independentemente da tendência política dos governos", afirmou Faieta.
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