"Há razões que a própria razão desconhece". Esta é uma reflexão a que muitos leitores se socorrem para justificar uma determinada tomada de decisão que pode, à primeira vista, não estar revestida da devida racionalidade. Embora não tenha sido essa a inspiração dos teóricos da economia comportamental, a mensagem que passa assenta que nem uma luva sobre o que teoriza.

Se na economia clássica a tomada de decisão é toldada, em grande parte, pelo lado racional do “homo economicus”, outros fatores podem pesar mais do que a racionalidade e influenciar essa mesma decisão, sustentam os seguidores desta disciplina surgida da incorporação, pela economia, de desenvolvimentos teóricos e descobertas empíricas no campo da psicologia, da neurociência e de outras ciências sociais. 

O Prémio Nobel da Economia Richard Thaler (2017), autor de “The Nudge”, dá notoriedade à economia comportamental no meio académico com a sua derivação de inúmeras implicações da prospect theory para o comportamento económico. Já Tim Harford, jornalista, autor e economista, apresenta uma "tese" mais terrena, que ajuda a explicar do que se trata. Num artigo de opinião no Financial Times “Como é que a economia comportamental me ajudou a afastar a minha dependência do telemóvel”, descreveu que o aparelho estava muito mais presente na rotina do seu dia-a-dia do que percepcionava e gostaria, ao ponto de passar mais tempo a interagir com este do que com o filho.

Socorrendo-se de termos como o “efeito dotação”, descrito por Thaler como a tendência de supervalorizarmos algo que possuímos simplesmente por nos pertencer (e que torna difícil renunciar a esse algo), Harford excluiu várias aplicações que tornavam o seu smartphone uma distração, mantendo apenas aquelas realmente essenciais. Olhando para o conceito de “custo de oportunidade”, das escolhas que em cada momento se fazem em detrimento de outras e do custo ou perda que isso representa, mais do que cortar as distrações no smartphone, decidiu preencher o tempo com outras atividades: exercícios, programas com os amigos e cartas escritas à mão.

O tempo "certo" para decidir

Marc Scholten, doutorado por Tilburg (Holanda) em Psicologia Económica e professor na Universidade Europeia, leciona comportamento do consumidor e economia comportamental. “A psicologia é uma ciência de indivíduos, olha para o comportamento individual das pessoas”. A economia comportamental é “sobre como as pessoas estão a tomar as decisões individualmente”, diz ao SAPO24.

“Isto é, em vez de assumir a priori que o comportamento é racional como fazem os economistas, somos mais abertos a questões descritivas. Será que o modelo racional se aplica? O que é que as pessoas estão a fazer? É uma perspetiva comportamental da economia”, resume.

E exemplifica: “Quando fazes uma pergunta simples: queres pagar umas férias antes ou depois de terem ocorrido? A esmagadora maioria quer pagar antes, enquanto economicamente, a não ser que tenhamos uma economia deflacionária com taxas de juro negativas, é sempre mais racional pagar posteriormente [isto é, depois de usufruir das ditas férias]”, nota Scholten.

O economista comportamental começou por perguntar de “onde vem esta irracionalidade”. E chegou a uma conclusão: “Uma das teorias diz que quando pagas para consumo posterior o prazer, a expectativa de consumo, atenua a dor de pagar. E enquanto pagas depois já não tens nada à frente. Pagas pelo que já passou”, enfatiza.

Em causa está “a escolha intertemporal que não olha para o risco, mas sim para o tempo”. "Quando tomamos decisões as consequências não são todas imediatas. Diluem-se no tempo e na forma como este impacta nas decisões”, diz, avaliando como a preferência temporal governa padrões gerais de comportamentos relacionados com a saúde, riqueza ou endividamento.

E dá outro um exemplo: “Imagine a obrigação de pagar 100€ a alguém. Pode escolher pagar hoje ou num ano. A escolha racional seria pagar num ano [sem juros]”. Seria o normal. “Mas uma investigação [resultados obtidos através do preenchimento de um questionário — uma das críticas dos economistas é que as experiências na economia comportamental não são incentivadas em laboratório com dinheiro real] que fiz em Inglaterra dá-me 50% por 50%. Aparentemente há uma aversão à dívida. Pagar já para libertar pagamento”, aponta. “Tinha a ideia contrária”, admite.

Em Portugal a balança pende ainda mais para o pagamento imediato. “70% contra 30%”, remata. Um valor encontrado numa “amostragem de conveniência, com composições de amostras diferentes, e cujo resultado permite afirmar que a grande maioria quer pagar já”, sustenta.

 “Medo? Vergonha? Rótulo de devedores? Tem sido investigado ...”, acrescenta.

Ainda sobre o tempo da tomada de decisão, Scholten olha para a economia clássica e fala sobre presente, futuro e relações mais próximas ou distantes com cada um destes espaços temporais. Novo exemplo: “Para quem o futuro tem menos impacto que o presente, o pagamento é para diferir”, remata.

“Mas olhemos ao contrário: o comportamento impacta sobre o peso que damos [ao presente e ao futuro]. Se calhar os portugueses que se endividam sabem o que é isso implica, a dor, e quando a pergunta simples surge [pagar mais cedo ou mais tarde], respondem 'mais cedo'. Aí a casualidade é reversa. É o comportamento que dá origem à resposta, em vez de a resposta dar origem aos comportamentos”, resume.

Em relação à apetência por consumo admite ser especulativo determinar “o porquê de ser tão chamativo para os portugueses. Pode passar pela educação”, elenca. Há, no entanto, simplicidade de raciocínio. “Se o português tem tanto desejo por consumo como um holandês ou inglês, e tem salários mais baixos, logicamente tem de haver maior endividamento para satisfazer os mesmos gostos”, explica. “Mesmos gostos, menos recursos, endividamento. Se calhar a resposta é tão simples quanto isto”, remata.

“Portanto, naquela ideia: um português, um inglês e um holandês endividam-se. Quem é que paga primeiro? A maioria dos portugueses quer pagar já. Para libertar para o novo consumo” ou “novo endividamento”, conclui Marc Scholten.