José Pedro Aguiar-Branco falava na cerimónia de concessão de honras de Panteão Nacional a Eça de Queiroz, com a presença do chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, e do primeiro-ministro, Luís Montenegro, entre outros titulares de órgãos de soberania.

Eça de Queiroz "foi um escritor, um grande escritor, mas foi muito mais do que um escritor. Foi, numa palavra, um reformista. E, naqueles tempos, reformista era insulto. Hoje, para uns tantos, não será muito diferente", declarou o presidente do parlamento.

No seu discurso, José Pedro Aguiar-Branco começou por salientar a atualidade de Eça de Queiroz, assinalando que fala "de elites fascinadas com o estrangeiro e tantas vezes desligadas das vivências nacionais, de burgueses citadinos deslumbrados com o materialismo, de gente simples em serras abandonadas pelos círculos do poder, de jovens decididos a revolucionar o mundo que caem na resignação e no cinismo".

 "Fala-nos de burocracias que desesperam até os mais pacientes, e de políticos -- imaginem - que lidam mal com as farpas da imprensa. Fala-nos de tudo isto e nós revemos tantas vezes na sua prosa os traços do nosso país, diferente em muitas coisas e parecido em tantas outras. Atrás de uma escrita elegante e culta e de uma deliciosa ironia, está uma capacidade única de olhar o país. Única e desapaixonada", sustentou o antigo ministro social-democrata.

 José Pedro Aguiar-Branco lembrou a seguir o trabalho de Eça como advogado e como jornalista, "na ousadia do correspondente estrangeiro e no génio do tradutor, na argúcia política com que analisou o país e no brilho do seu percurso diplomático. Neste campo, realçou então a sua luta em Havana "contra a escravatura e na defesa intransigente do humanismo".

Ainda segundo o presidente da Assembleia da República, "quem conhecia Portugal como Eça conhecia, quem conhecia os portugueses como Eça conhecia, quem escreveu o que Eça escreveu, só podia gostar muito deste país". 

 "E o mais extraordinário é que esse amor sempre foi correspondido. O enterro com honras de Estado, em 1900, foi só o reconhecimento do óbvio. As honras de Panteão, que o parlamento concedeu, 121 anos depois, foram só uma formalidade. Sem debate ou discussão entre os parlamentares. O lugar de Eça de Queiroz é óbvio", frisou. 

O presidente da Assembleia da República deixou ainda uma mensagem "às gentes de Santa Cruz do Douro que abdicam do seu Eça para partilhá-lo com milhões de portugueses". 

 "Posso garantir que a sua presença no Panteão Nacional, entre os restantes imortais, será devidamente apreciada", assegurou.

Na parte final do seu discurso, José Pedro Aguiar-Branco dirigiu palavras à família de Eça, "pela iniciativa, um sentido agradecimento no plural", mas também aos professores e alunos das escolas portuguesas com o nome de Eça de Queiroz.

 "Ao estarem aqui, mostram-nos que o nome Eça de Queiroz também quer dizer educação, também quer dizer futuro. Agora, no Panteão Nacional, estou certo de que o humanismo e a consciência social de Eça de Queiroz continuarão a inspirar-nos e a exigir-nos que estejamos à sua altura", afirmou, antes de deixar mais um recado:

"Mas será, sobretudo, a sua ironia e o seu prazer em derrubar ídolos que nos protegerá de triunfalismos e megalomanias. Se assim for, também por isso valeu a pena".  

Em janeiro de 2021, a Assembleia da República aprovou por unanimidade um projeto de resolução do PS para "conceder honras de Panteão Nacional aos restos mortais de José Maria Eça de Queiroz, em reconhecimento e homenagem pela obra literária ímpar e determinante na história da literatura portuguesa". A resolução surgiu em resposta a um repto lançado pela Fundação Eça de Queiroz.

Eça de Queiroz morreu em Paris em 16 de agosto de 1900 e foi sepultado em Lisboa. Em setembro de 1989, os seus restos mortais foram transportados do Cemitério do Alto de São João, na capital, para um jazigo de família, no cemitério de Santa Cruz do Douro, em Baião.

Nascido na Póvoa de Varzim, distrito do Porto, em 1845, foi autor de contos e romances, entre os quais "Os Maias", que gerações de críticos e investigadores na área da literatura consideram o melhor romance realista português do século XIX.

A sua vasta obra inclui títulos como "O primo Basílio", "A cidade e as serras", "O crime do padre Amaro", "A relíquia", "A ilustre casa de Ramires" e "A tragédia da Rua das Flores".

 

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