"O Governo de Tigray não 'roubou' nenhum camião-cisterna", fez saber o departamento da administração da Frente de Libertação do Povo de Tigray (TPLF, na sigla em inglês), em resposta ao diretor do PAM, David Beasley, que exigiu às autoridades tigray a devolução de 12 camiões-cisterna carregados com cerca de 570.000 litros de combustível destinados a operações da agência alimentar das Nações Unidas na região.

"Exigimos às autoridades de Tigray que devolvam imediatamente estes 'stocks' de combustível à comunidade humanitária", afirmou o diretor-executivo do PAM, sublinhando que "as próximas colheitas não acontecem antes de outubro, e as entregas de alimentos [por parte da agência da ONU], que salvam vidas, não poderiam ser mais urgentes ou críticas para a sobrevivência de milhões".

A TPLF rejeitou estas "alegações inflamatórias", acrescentando que, há meses, quando o governo etíope impôs um "bloqueio de facto" à ajuda humanitária na região, o PAM "pediu combustível emprestado" aos tigray para poder levar a cabo as suas operações.

A administração tigray argumenta ainda ter emprestado "mais de 600.000 litros de combustível" e exige a sua devolução em conformidade com o acordo então feito com o PAM.

O "saque" ocorreu na quarta-feira de manhã, quando homens armados invadiram instalações pertencentes ao PAM em Mekele, levando 12 camiões-cisterna, de acordo com a agência da ONU.

O Governo etíope qualificou hoje o incidente como um "crime de guerra" e exortou a comunidade internacional a dar "garantias" de que a ajuda humanitária chega aos necessitados em Tigray.

Numa declaração, o PAM sublinhou ser "condenável que milhões de pessoas sejam ainda mais empurradas para a fome pelo recomeço dos combates no norte da Etiópia" e recordou que nos últimos meses, a trégua humanitária permitiu às várias organizações humanitárias chegar a quase cinco milhões de pessoas na região.

"Ontem [quarta-feira], essa linha de salvação foi cortada", lamentou David Beasley, que assinou o texto.

Janez Lenarcic, comissário europeu para a Gestão de Crises, apelou igualmente hoje à "rápida devolução do combustível roubado ao Programa Alimentar Mundial".

"Sem combustível, a entrega de alimentos em Tigray não é possível. As vidas de milhões dependem disso", afirmou no seu perfil na rede social Twitter.

O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, visto como um aliado da TPLF, também se referiu ao saque, ainda que de forma velada, pedindo "a todas as partes que respeitem o fornecimento de alimentos e combustível por atores humanitários, se abstenham de militarizar a ajuda humanitária e trabalhem para restaurar os serviços básicos destinados aos necessitados".

Em Nova Iorque, o porta-voz do secretário-geral das Nações Unidas, Stephane Dujarric, explicou que a equipa do PAM no terreno tentou, sem sucesso, evitar o saque de, pelo menos, 12 camiões-cisterna, uma perda que "irá afetar as operações humanitárias de apoio às comunidades em todo o norte da Etiópia".

"Estas reservas de combustível deviam ser utilizadas apenas para fins humanitários, para a distribuição de alimentos, fertilizantes e outros artigos de ajuda de emergência", afirmou o porta-voz de António Guterres, numa conferência de imprensa na sede das Nações Unidas, condenando esta violação ao direito humanitário.

O estado de Tigray voltou a estar isolado pelas forças militares federais depois do reacendimento dos confrontos na madrugada de quarta-feira, limitando a entrega de ajuda humanitária numa área onde mais de dois milhões de pessoas necessitam de assistência urgente. Foram ainda impostos cortes de eletricidade e telecomunicações.

O alto representante da União Europeia para a Política Externa, Josep Borrell, apelou na quarta-feira ao Governo etíope e à administração tigray insurgente da TPLF para que desanuviem as tensões antes que a atual escalada dos combates "se transforme novamente numa guerra em larga escala".

O chefe da diplomacia da UE juntou a sua voz aos apelos à calma, feitos pelas Nações Unidas e pela União Africana no início do dia, depois de ambas as partes em conflito terem confirmado o reacendimento das hostilidades no norte da Etiópia.

A guerra no Tigray eclodiu em 04 de novembro de 2020, quando o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, enviou o exército federal para o estado no norte do país, com a missão de retirar pela força os dirigentes locais da TPLF que vinham a desafiar a autoridade de Adis Abeba há muitos meses.

O pretexto específico da invasão foi um alegado ataque das forças estaduais a uma base militar federal no Tigray, e a operação foi inicialmente caracterizada por Adis Abeba como uma missão de polícia, que tinha como objetivo restabelecer a ordem constitucional e conduzir perante a justiça os responsáveis pela sua perturbação continuada.

O conflito na Etiópia provocou a morte de vários milhares de pessoas e fez mais de dois milhões de deslocados, deixando ainda centenas de milhares de etíopes em condições de quase fome, de acordo com a ONU.

O reacendimento dos combates esta quarta-feira marca o fim de uma trégua acordada no final de março e até agora respeitada.

As acusações entre o Governo federal e a administração tigray vinham a subir de tom nos últimos dias, com cada uma das partes a apontar à outra a intenção de retomar as hostilidades, apesar de nos últimos meses ambas reiterarem o respetivo compromisso relativamente às negociações, que ainda não começaram.

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