
"Recordo essas palavras perfeitamente porque me marcaram. Numa missa aos imigrantes, o bispo Robert Prevost disse-nos: 'Até mesmo Jesus foi imigrante, Jesus foi um imigrante e, mesmo eu, embora seja nacionalizado peruano, sou também um imigrante. Cheguei aqui sendo um imigrante. Não sou peruano, sou nacionalizado peruano'. Essas palavras ajudam-me até hoje a superar situações difíceis", descreve à Lusa o imigrante venezuelano José Gregorio Ceiba Muñoz, de 52 anos, oriundo de Barquisimeto, no estado de Lara.
José Gregorio chegou ao Peru em 2018. Vive com a esposa e dois filhos no albergue San Vicente de Paul, na cidade de Porto Eten, a 22 quilómetros de Chiclayo, onde Roberto Prevost foi bispo durante oito anos, antes de se tornar Papa.
O albergue familiar foi o primeiro lugar criado pelo Papa para acolher imigrantes. Na paróquia Maria Magdalena de Eten, a apenas três quilómetros de Porto Eten, um refeitório popular alimenta os venezuelanos. O albergue e o refeitório foram a salvação para cerca de 100 famílias quando não havia trabalho, mas fome. Muitas dessas famílias recebiam ajuda da Igreja para pagar a renda.
José Gregorio foi agente policial durante 17 anos na Venezuela. Hoje, é motorista de carro e de autocarro, além de estampar t-shirts, um ofício aprendido nas oficinas de ensino que o próprio Papa desenvolveu em Chiclayo, com o objetivo de gerar oportunidades de trabalho para os imigrantes.
"A visão que tenho do Papa é de uma pessoa nobre, humana, que sofre com o próximo e que sente o imigrante. Se não fosse pela ajuda dele, teria sido muito difícil. Ele preocupava-se com a nossa integração na sociedade, até mesmo no que se refere à discriminação", indica José Gregorio, prevendo que essa defesa tão veemente do Papa sobre os imigrantes colida com a política migratória do Presidente norte-americano, Donald Trump.
"O Papa nasceu em Chicago e veio para Chiclayo. Evidentemente, ele é norte-americano, nacionalizado peruano e familiarizado como a problemática da imigração na América Latina. A visão do Papa está em choque com a de Donald Trump, outro norte-americano", afirma.
Yolanda Díaz foi coordenadora da Comissão de Mobilidade Humana e de Tráfico de Pessoas, à qual ainda pertence, e era a responsável pelas atividades que eram articuladas pelo Papa.
"Ele não queria que apenas a comissão se preocupasse com o assunto dos imigrantes, queria que o conjunto da Igreja se envolvesse com o problema. Recebi a missão por parte do Papa de sensibilizar os sacerdotes a se envolverem. Paralelamente, ele falava diretamente com a sociedade sobre a necessidade de as pessoas olharem para a realidade dos imigrantes", descreve Yolanda à Lusa.
A coordenadora, que conviveu de perto com o Papa, também antevê um choque com Donald Trump em relação às deportações.
"É iminente um choque entre os dois [...], haverá discordância porque o Papa tem experiência no assunto, conhece a realidade e sabe que tem agora um desafio global sobre a questão dos imigrantes", afirma Yolanda Díaz.
No entanto, Yolanda destaca a paciência estratégica de Leão XIV para lidar com o assunto.
"Um dia, perante a insegurança de podermos criar uma rede de ajuda efetiva aos imigrantes, eu disse-lhe que tinha dúvidas. A resposta dele foi 'Yolanda, recorde que estamos a semear'. Isso significa que o Papa acredita nos processos e não que as coisas acontecem de um dia para o outro. O papado dele não será um ativismo desenfreado, mas semear um processo", acredita.
Durante os oito anos como bispo de Chiclayo, o Papa promoveu uma reforma pastoral para descentralizar o trabalho da Igreja.
"Ele quis uma Igreja aberta ao mundo, aberta à realidade social. Agora no Vaticano terá uma visão parecida com a do Papa Francisco em termos de meio ambiente, de uma Igreja pastoral que não espera e que vai aos pobres e aos necessitados e uma Igreja de diálogo aberto", antecipa Yolanda.
Em Túcume, cidade a 33 quilómetros de Chiclayo, o sociólogo e historiador Hermes Aldana Ortega tem estudado as ações de monsenhor Robert Prevost, agora Papa Leão XIV.
Para o especialista, a questão dos imigrantes desencadeará "uma guerra" com Trump.
"Eu acredito que o Papa vai lutar por acabar com a guerra bélica entre Rússia e Ucrânia, mas vai iniciar uma luta a favor da imigração. Definitivamente, será uma guerra contra Trump. O Papa é um matemático. Os matemáticos são frios e cumprem com os seus ideais: eles pensam, eles fazem. Veremos um choque", aponta Aldana Ortega à Lusa.
O sociólogo considera que o facto de o Papa ter feito uma pausa no discurso em italiano para saudar a diocese de Chiclayo em espanhol já marca a diferença.
"O Papa falou em espanhol, o idioma dos deportados de Trump. Um norte-americano falou em espanhol, não falou em inglês, nem mandou uma saudação à sua Chicago natal, muito menos aos Estados Unidos. Isso já marca uma distância com Trump, quem sabe que o novo Papa está contra tudo o que significa expulsão. O Papa está contra tudo o que significa sofrimento dos imigrantes. Ele sempre diz 'Deus santo, todos nós somos imigrantes'", sublinha Hermes Aldana Ortega.
MYR // VAM
Lusa/Fim
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