A particularidade do projeto é a realização em simultâneo de testes a várias doenças, através do chamado rastreio integrado, como explica à Lusa Ricardo Fernandes, diretor geral adjunto do Grupo de Ativistas em Tratamento, uma organização portuguesa.
O GAT está a dar assistência técnica ao projeto lançado no final de janeiro e que em três dias, no arranque, realizou quase três mil testes ao HIV, hepatites B e C e sífilis.
Trata-se de um rastreio integrado a várias infeções, algumas das quais associadas entre si, que está a ser feito nas zonas de maior incidência das doenças, concretamente Bissau, Gabu, Bafatá, Tombali, Oio e Farim.
Os testes são feitos nas comunidades em pontos de maior concentração de pessoas, como o mercado do peixe do porto de Bandim, em Bissau, onde a Lusa falou com os promotores e beneficiários da iniciativa.
O VIH e a tuberculose foram as doenças que mais mataram na Guiné-Bissau, em 2019, segundo os dados que o projeto tem disponíveis, só superadas pelas doenças respiratórias inferiores, concretamente pneumonia, bronquite, gripe ou tosse convulsa.
Os rastreios, acrescenta Ricardo Fernandes, são gratuitos, anónimos e confidenciais e quando surgem casos positivos são encaminhados para tratamento ou organizações a trabalharem na área.
Com este projeto pretende-se também fazer recolha de dados para o conhecimento epidemiológico destas doenças na Guiné-Bissau.
O projeto é financiado pela Expertise France, a agência pública francesa que apoia projetos internacionais de cooperação técnica, e promovido, em parceria com outras organizações no terreno, pela ADPP (Ajuda de Desenvolvimento de Povo para Povo), que trabalha há 32 anos na Guiné-Bissau.
Fernando Binhafa, desta organização, destaca a importância do rastreio num país onde é difícil estes serviços chegarem às comunidades mais necessitadas, com o obstáculo, também, das questões culturais que fazem destes temas tabu, como indica.
"Em três dias tivemos uma média de 20 a 25% positivos, se não houvesse este rastreio não sabíamos o que está a acontecer", aponta.
A aposta é trabalhar no terreno com os filhos da terra a fazerem a sensibilização, algumas dezenas dos quais têm assegurado emprego remunerado durante os três anos do projeto, depois de receberem formação para realizarem o rastreio integrado junto das comunidades.
Esta é uma das vertentes realçadas por Luís Mendão, diretor geral do GAT, que aponta a necessidade da melhoria das remunerações na área da saúde para resolver parte do problema, para que haja motivação entre os profissionais e organização.
"Se um médico ganha 250 euros por mês, quem vive aqui na Guiné não é possível viver dignamente com um salário destes e, portanto, as pessoas vão embora", concretiza.
A Guiné-Bissau foi escolhida para este projeto por ser um país com uma baixa esperança média de vida, de 47 anos, devido à mortalidade infantil, mas também a doenças como a sida, a tuberculose, as hepatites virais, a malária, que matam as pessoas mais cedo que as tradicionais doença da obesidade, diabetes e outras.
"E é por isso que este projeto procura melhorar os índices nas doenças que mais matam na Guiné-Bissau e que matam as pessoas em idade produtiva", afirma.
Por parte da população têm, garante, encontrado vontade em fazer os testes e na prevenção como comprovam as solicitações de preservativos que o projeto distribui a quem faz testes.
O que falta não é vontade, mas oportunidade, na opinião de Rober Henri Djane, que foi fazer os testes gratuitos no porto de Bandim e que teria de pagar "muito dinheiro" para poder fazer estes testes no hospital público.
Acresce ainda, como aponta à Lusa, que nos serviços de saúde guineenses boa parte das vezes as queixas dos utentes são atribuídas ao paludismo e acaba por ser "tudo malária, quando podem ser outras doenças".
"É importante porque as pessoas andam com a doença e não sabem, com esta iniciativa as pessoas vão descobrir que estão com as doenças", considera.
Convencer as comunidades locais a fazer o teste de HIV é uma dificuldade que Vitória Pereira constata no trabalho que faz de supervisão na região de Oio.
"As pessoas têm medo por causa do estigma e da discriminação, as pessoas nem têm coragem de fazer teste", diz, assegurando que "com a sensibilização, pouco a pouco" começam a aderir à testagem e a aceitar o tratamento nos casos positivos.
Vitória nota ainda resistência de algumas pessoas a fazerem testes não se sentindo doentes e mesmo a irem ao médico, quer por questões culturais, religiosas ou crenças tradicionais.
"Se não está a sentir nada diz: eu estou muito são. Por isso deixam-se estar até adoecer, mesmo doentes, se não sentirem complicações, permanecem na comunidade, recorrendo a outras formas de tratamento, como curandeiros tradicionais", conta.
*** Helena Fidalgo (texto) e Júlio de Oliveira (vídeo), da agência Lusa ***
HFI // VM
Lusa/Fim
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