O vaivém de carros, turistas a subir o vulcão, as várias línguas estrangeiras, flashes dos telemóveis e máquinas fotográficas e o negócio a fluir deram lugar ao silêncio e tranquilidade que há muito não se sentia em Chã das Caldeiras, aldeia do município de Santa Catarina, junto ao vulcão na ilha do Fogo.

"Estou praticamente a viver a minha infância, de há 25 ou 30 anos, em que o turismo era algo milagroso em Chã das Caldeiras", descreveu João Pedro de Pina Silva, presidente da Associação de Guias de Turismo de Chã das Caldeiras, criada logo após a última erupção, que começou em 24 de novembro de 2014 e terminou 77 dias depois, em 08 de fevereiro do ano seguinte.

"Sente-se um vazio enorme, um deserto total em Chã das Caldeiras", lamentou o também agricultor, de 38 anos, conhecido na aldeia por Alcindo, dizendo que uma das coisas boas depois da pandemia foi alguma "reaproximação" das pessoas, que têm concentrado as suas energias nos negócios à volta do turismo.

Alcindo é, juntamente com a mulher, também proprietário de uma das pensões para turistas na aldeia, construída após a erupção, mas que agora está de portas fechadas, continuando apenas a servir como moradia da família.

O turismo foi a solução para muitas famílias locais lidarem com a seca em Cabo Verde, mas a pandemia teve um "impacto negativo muito forte" no setor, conforme disse Alcindo à Lusa, afirmando que muitos dos 27 guias da associação estão a passar por uma situação crítica.

Sem turistas, muitos guias pegaram na enxada e recebem outras "ajudinhas", disse o presidente da associação, indicando que uma dessas ajudas veio da câmara municipal de Santa Catarina, que garantiu cinco dias de trabalho em manutenção dos caminhos de acesso ao pico do Vulcão.

"Os guias estão muito preocupados com a situação. Estamos a falar muito do turismo interno, mas não consegue cobrir a demanda que tinham antes da pandemia", salientou o também guia turístico e dono de parcelas de terreno onde cultiva um pouco de tudo, desde árvores de frutos e feijões.

Em declarações à Lusa, Alcindo pediu mais apoios para os guias turísticos continuarem a arranjar os caminhos ou frequentar alguma formação, enquanto o turismo está parado, já que nem todos têm uma parcela de terreno para cultivar.

Chã das Caldeiras chega a quase 2.100 metros de altitude, enquanto o pico da ilha de Cabo Verde fica mais acima, a 2.829 metros, permanecendo ativo, com uma caldeira de oito quilómetros de diâmetro.

Há pouco mais de um mês, a ilha do Fogo registou os primeiros casos de covid-19 e, segundo Alcindo, viveram-se "momentos de pânico" em Chã das Caldeiras, por causa de informações falsas que davam conta de casos na zona.

Mas tal não se confirmou e as pessoas estão mais tranquilas, e seguindo as regras sanitárias. "É claro que todos têm medo", afirmou a mesma fonte, para quem as pessoas tentam ultrapassar tudo isso concentrando-se nos trabalhos agrícolas, muitos feitos em família.

"Mundialmente, todos têm esperança que isso acabe o mais depressa possível para retomarmos todas as atividades de forma normal", perspetivou.

Também natural de Chã das Caldeiras, Isabel Fernandes Montrond, mais conhecida por Bebé, começou a construir a sua casa em 2015, logo após a erupção vulcânica, que provocou a destruição total dos principais povoados da aldeia e de uma área agrícola significativa.

A moradia ficou concluída em 2017 e Bebé aventurou-se para investir numa pensão, que abriu portas em novembro do ano passado com cinco quartos, todos com vista para o imponente vulcão, um dos locais mais visitados em Cabo Verde.

Após apenas cinco meses de funcionamento, Bebé já estava a tentar recuperar o dinheiro investido, mas a pandemia parou tudo na aldeia, que ainda está a reerguer-se das cinzas, tendo muitas casas em construção, em rocha, recorrendo à crosta da lava solidificada.

Bebé recordou que em março ainda tinha clientes estrangeiros, sobretudo franceses, ingleses e alemães, que estavam a enfrentar muitas dificuldades para regressar aos seus países, por causa do fecho das fronteiras.

"Chã ficou parada, sem nada. Mas graças às chuvas que caíram recentemente, podemos trabalhar na agricultura e esperamos que possa resolver alguma coisa", disse à Lusa a empresária hoteleira.

Bebé gostaria que o movimento de turistas voltasse a Chã das Caldeiras, mas a única garantia que tem é que este ano a ocupação vai ser a agricultura.

Já Antónia Dias é natural da zona de Patin, mas faz parte de uma das cerca de 200 famílias e 1.300 pessoas que moram em Chã das Caldeiras, ela há 25 anos, com o primeiro de três filhos a nascer um ano depois.

A casa onde morava antes foi rodeada pelas lavas da erupção vulcânica e a família ocupou parte de uma pensão que foi parcialmente destruída na altura.

Desde março que Antónia Dias não vê movimentação de turistas em Chã e disse também que a solução é trabalhar na agricultura, já que após três anos de seca, a chuva voltou a cair no país.

"Depois das chuvas, estamos com mais coragem. Agora é pura enxada", disse, referindo que os turistas que visitam a aldeia ajudam muito os locais, sobretudo com roupas.

"Temos saudades deles (os turistas)", disse, entre risos a moradora de Chã das Caldeiras, conhecida pela plantação de videiras, para a produção do conhecido vinho Chã.

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