Sobre o ano que agora acaba fizemos as contas na semana passada, e ninguém contestará que o balanço é negativo. O ideal seria que os problemas de 23 acabassem em 24, mas nada parece indicá-lo. As duas maiores catástrofes correntes — a invasão da Ucrânia pela Federação putinista e as hostilidades no Próximo Oriente entre israelitas e os vários movimentos radicais muçulmanos — não têm fim à vista. Há cenários que possibilitariam o fim destes conflitos, nem todos do modo que gostaríamos, mas são mais desejos do que realidades. Já lá iremos.
Quanto à catástrofe universal das alterações climáticas também não se esperam grandes progressos nos próximos 12 meses, tanto nas medidas mitigadores como em descobertas mirabolantes na geração de energia limpa.
Mas o que marcará definitivamente 2024 é ser o ano de todas as eleições. Conforme as contas, serão entre 50 e mais de 60, incluindo regionais, nacionais, uma comunitária (Parlamento da União Europeia) e outra internacional (Conselho de Segurança das Nações Unidas). Sobre as principais, comentou, também na semana passada, o meu colega Sena Santos, mas se quiser uma lista completa, encontra-a aqui. Ao todo, quatro mil milhões de pessoas, mais de metade da população do mundo, irá a votos.
Claro que nem todas as eleições são iguais, ou seja, representam o modelo que está implícito no conceito de democracia representativa. A revista “The Economist” divide-as em três grupos: autoritárias, híbridas e democráticas.
Autoritárias são aquelas que só se chamam eleições como mera formalidade, para enganar os incautos e os que não têm outro remédio senão aceitar o status quo. A maior, em termos de corrupção do termo, é a da Federação Russa, em que Putin será “reeleito” por mais seis anos.
Democráticas são aquelas em que os eleitores escolhem livremente, sem pressões directas ou implícitas e podemos escolher as do Parlamento Europeu como um razoável exemplo.
Híbridas são eleições que parecem completamente democráticas mas contém elementos de autoritarismo, a vários níveis, que tornam difícil avaliar o grau de liberdade. Há muitas opiniões sobre estes elementos invisíveis ou apenas suspeitos. As chamadas “democracias imperfeitas” são difíceis de distinguir das democracias plenas. Seguindo um "Índice Democrático" compilado pelo Grupo Editorial do The Economist, e que pode ser consultado gratuitamente na Wikipédia, em 167 países 59 são autoritários, 36 híbridos, 48 imperfeitos e apenas 24 podem ser considerados democracias plenas. Triste, não é?
Mas voltemos ao futuro, a 2024. Muitas eleições não representarão mudanças substantivas na vida dos governados ou na vida dos cidadãos das circunscrições ou países que delas dependem. Essas não suscitam dúvidas, embora as certezas não sejam as melhores. É, mais uma vez, o caso da Federação Russa, cujo resultado eleitoral não mudará absolutamente nada na política do país, dos países amigos e dos inimigos — nomeadamente a Ucrânia. Também será o caso da Índia, onde o partido Bharatiya Janata, de Narendra Modi, tem a vitória garantida.
Já na Indonésia, onde Joko Widodo, um presidente popular e, ao que parece, decente, não poderá ser reeleito, existe o receio que o próximo seja um general com ideias “musculadas”. No entanto, tanto neste país como em muitos outros — México e Bangladesh, para dar dois exemplos nas antípodas — os resultados eleitorais não afectarão substancialmente os nacionais e o mundo.
A eleição dos cinco membros temporários do Conselho de Segurança da ONU também não fará grande diferença. Como se sabe, os membros permanentes, com direito a veto, é que mandam, e os outros estão lá só para dar uma aparência mais equitativa.
Alguma diferença poderá fazer a eleição do Parlamento da União Europeia, onde se espera que os partidos de direita ganhem mais preponderância. Más notícias para os imigrantes que cada vez em maior número tentam chegar à Europa. E também haverá a tendência para um enfraquecimento dos poderes comunitários a favor dos nacionalistas dos países membros.
Agora, a eleição de todas as eleições, que afectará o mundo inteiro, é a de Presidente dos Estados Unidos. Caso Trump ganhe, o que parece cada vez mais provável, haverá alterações significativas em todos os continentes — e não serão para melhor, isso com certeza.
Cito algumas afirmações de William Glaston, no conservador Wall Street Journal:
“Se o Sr. Trump ganhar a candidatura republicana pela terceira vez, e depois vencer a leição presidencial, fixa-se definitivamente a transformação do seu partido, dando uma nova energia ao populismo de extrema-direita em todo o mundo, e colocam-se em questão os princípios da política de segurança norte-americana desde a Segunda Guerra Mundial.”
“O período em que a América foi uma rocha sobre a qual o Ocidente podia construir a sua política e as suas esperanças vai afundar-se em areias movediças. É o que os líderes europeus receiam que possa acontecer, e um segundo mandato de Trump não ficará muito longe dos seus receios.”
“Se os americanos o colocarem de novo na Presidência, significa que a Ucrânia está perdida, a NATO em perigo, e a Hungria de Viktor Orbán será o padrão da governação dos Estados Unidos”.
Poder-se-ia especular mais sobre as consequências desta presidência iminente, mas não vale a pena; toda a gente sabe o que irá acontecer, quer goste quer não.
Em termos gerais, as eleições e os acontecimentos do ano que vem mostrarão alterações nos equilíbrios entre os países europeus. A radicalização provocada pelo conflito israelita (mais do que o ucraniano, onde há um consenso), vai provocar agitação nos principais países as UE, tanto na rua como nos salões.
Na Ucrânia, não se espera que aconteça algo de realmente novo em 2024; continuará a guerra de atrito com perdas elevadas de parte a parte. Mesmo que tenham menos suporte material do Ocidente, os ucranianos continuarão a lutar e Putin já disse que está à espera de mais cinco anos para “desnazificar” o país.
O caso Israel/Hamas é completamente diferente. Pode ser visto como um conflito que começou este ano e que terminará em breve, mas na verdade está integrado num cenário muito mais vasto que se irá arrastar indefinidamente. Trata-se da tentativa do Irão de se tornar a maior potência regional, apoiado em outros países muçulmanos e em numerosos grupos radicais. Israel não é o inimigo principal, mas “apenas” um adversário intermediário dos Estados Unidos, o “grande Satã”. A situação é muito complexa porque envolve outros estados árabes, especialmente a Arábia Saudita, para os quais os interesses económicos são superiores a considerações ideológicas. Neste ano que entra nada se esclarecerá ou resolverá.
No caso específico do conflito entre israelitas e palestinianos, é agora claro que a solução “dois estados” não será viável, pelo menos por mais uma geração. Netanyahu não sairá enquanto a guerra continuar e, porque é a guerra que o mantém no poder, não faz tenções de parar.
A única dúvida é se a guerra alastra para os outros países fronteiriços com Israel, Líbano e Síria. É isso que o Irão pretende, mas tem de contar com os Estados Unidos, que, pelo menos enquanto Biden continuar presidente, estão a tentar conter o conflito. Muitas variantes para calcularmos o que vai acontecer; a única certeza é que vai acontecer muita coisa.
Não costumo falar de Portugal mas, neste caso, acho que é impossível não colocar o nosso país na lista das situações duvidosas. Ainda é cedo para especular sobre o resultado das eleições de 10 de Março; muita coisa pode acontecer com os partidos e os protagonistas. Na minha modesta opinião, a única certeza é que o Chega terá mais deputados. E que talvez o CDS volte ao Parlamento. (A minha opinião não é o que desejo, é uma análise de jornalista).
Resumindo, em Portugal, tal como no mundo, o futuro é incerto. Se quisermos ver as coisas positivamente, a incerteza é muito mais emocionante do que o certo.
Os piores anos das nossas vidas não são aqueles em que não acontece nada?
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