Não é a primeira vez que o partido austríaco mais à direita - não confundir a “radical” com a “extrema” - tem um bom resultado eleitoral nas eleições legislativas. Já em 2019 tinha ficado em terceiro lugar, à frente de toda a esquerda, e conseguiu fazer uma coligação com os conservadores do ÖVP que provocou escândalo e escárnio da Austria e na UE. Mas isso foi noutros tempos, quando os partidos da direita mais à direita ainda eram uma estranheza na Europa (excepto Hungria e Polónia). Desde então a preponderância, ou pelo menos a grande influência do eleitorado mais chauvinista, transformou partidos “malditos” no novo normal da estrutura política.

O FPÖ é diferente dos outros partidos europeus de direita radical porque é muito mais óbvio: o seu primeiro dirigente na década de 1950 era nazi confesso, e o dos anos 1990, Jörg Haider, defendia as políticas de emprego dos nazis e afirmava que os antigos Waffen-SS eram “homens decentes”.

Desta vez, os progressos do FPÖ tornam-no novamente uma força impossível de ignorar: o partido da direita “normal”, o conservador ÖVP, ficou-se pelos 26%, uma diferença pequena, mas uma derrota inegável.

Talvez se perceba melhor a extensão da “desgraça” vendo as cadeiras parlamentares anteriores (de 2019) e as deste ano:

  • FPÖ - Partido da Liberdade: de 31 para 57 lugares;
  • ÖPV - Partido do Povo (direita): de 71 para 51 lugares;
  • NEOS - Liberais: de 15 para 18 lugares;
  • Verdes e esquerda em geral: de 26 para 16.

O “chefe” do FPÖ, Herbert Kickl, um jovem nascido em 1968, tem uma postura firme, sem qualquer sentido de humor, que não ajuda a palmadas nas costas, e o “cordão sanitário” muito provavelmente continuará a funcionar. É um grande admirador de Viktor Orbán, esse herói da Democracia Iliberal que se tem tornado o guru de todas as direitas, inclusive de Trump. Não há nenhuma simpatia por ele fora dos seus votantes. Claro que o partido de hoje não é o mesmo da década de 1990; foi contra as políticas anti-covid (uma “conspiração”) e no seu manifesto, apropriadamente intitulado “Fortaleza Áustria”, explora os novos receios europeus: exige a deportação dos “estrangeiros que não foram convidados”, quer privar os imigrantes de todos os direitos, é transfóbico e considera indispensável banir o “Islão radical”. Acredita-se que tem ligações com Putin e quer acabar com as sanções contra a Federação Russa.

Na Áustria, quem escolhe o primeiro-ministro é o presidente da República, Alexander Van der Bellen, que vem dos Verdes. A sua preferência seria a continuação da coligação que estava no poder. O líder dos conservadores, Karl Nehammer, também jura que só será possível o FPÖ fazer parte duma coligação se descartar Kickl, uma ideia intrinsecamente improvável.

Os comunistas e o Partido da Cerveja (!) nem sequer conseguiram eleger parlamentares o que, juntamente com a perda de dez lugares dos Verdes, torna o parlamento austríaco francamente de direita, apenas ligeiramente moderado pelos liberais, que também “escorregaram” para valores mais direitistas.

Esperam-se semanas de conversações tensas. Os distritos eleitorais (Estados, na realidade) de Vorarlberg e Styria terão eleições próprias a 13 de Outubro e 24 de Novembro, e espera-se que também aí o FPÖ ganhe votos. Já faz parte dos estados da Alta Áustria, Baixa Áustria e Salzburgo.

Não se espera um acordo antes de Dezembro e o novo governo provavelmente só será escolhido depois do Natal. Se é quase certo que o FPÖ não conseguirá formar um governo minoritário, também é quase certo que uma coligação sem o partido terá uma vida curta e atribulada.

A situação ameaça igualar a da França, em que a direita radical não conseguiu formar Governo mas é a garante de qualquer executivo que se forme, a troco de concessões diversas, sobretudo no que diz respeito à imigração.

É interessante como as imigrações, de que a Europa precisa para preencher os quadros da mão-de-obra pouco qualificada, tão importantes para o funcionamento dos países como a qualificada, estão a tornar-se a escada rolante das direitas mais radicais. (Aliás, nos Estados Unidos acontece precisamente a mesma coisa.)

A imigração faz parte do mantra do “declínio do Ocidente”, usado por todos estes partidos que acusam o Islão, o multiculturalismo, a degradação dos “valores tradicionais” (“Deus, Pátria e Família”, lembram-se?) pela perda da “identidade europeia” (seja lá o que isso for, uma vez que na Europa, a única identidade comum que se partilhou foi a exploração colonial e as guerras permanentes dentro de si, uma vez que o cristianismo há séculos que se fragmentou em várias igrejas).

A verdade é que a subida da direita radical é que é o verdadeiro “declínio do Ocidente”, provocado por governos centristas e de esquerda que não cumpriram as suas promessas de mais direitos, melhor nível de vida e desenvolvimento económico. O que fazem é praticar uma espécie de endogamia, promovendo-se uns aos outros, sem abordar de frente a burocracia sufocante que paralisa as decisões. A antiga esquerda clássica - os comunistas - desapareceu, ultrapassada pela sua leitura ortodoxa da História e inadaptação às inovações técnicas que mudaram o mercado de trabalho. A esquerda radical sobrevive com uma agenda ecológica e temas “tangenciais”, como o aborto, igualdade sexual e eutanásia, que pouco mudam o quadro geral da exclusão dos menos abonados.

A direita, que não tem um programa definido (fora o “iliberalismo”), promete o que for preciso e as promessas são sempre bem aceites, porque é preciso mudar alguma coisa.

O caso da Áustria é apenas o último desta quadratura do círculo dos países desenvolvidos, que vêem os imigrantes como inimigos, mas não podem viver sem eles. Não nos podemos esquecer dos resultados eleitorais da Alemanha ex-Leste, da Holanda e dos países nórdicos.

A comparação da Europa atual com os últimos séculos do Império Romano tornou-se um lugar comum porque, de facto, não é descabida.

Vamos ver como o executivo de Von der Leyen descalça esta sandália...