O TRP não acedeu a um recurso do Ministério Público, relativo a um caso de 2014 em que o amante e o marido de uma mulher de Felgueiras eram acusados de, respetivamente, sequestrar e agredir a vítima com uma moca de pregos, deliberando manter a pena suspensa a ambos.
A fundamentação recorda o sempre atual – e muitas vezes esquecido - Código Penal de 1886, que “punia com uma pena pouco mais do que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse ato a matasse” e nota que, ainda hoje, “sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte”. São pertinentes observações, que mostram que o direito português precisa tanto de uma vaga retro, como de uma dose de humildade. O que o acórdão parece estar a querer afirmar é que a justiça portuguesa talvez careça de algumas importações construtivas da tradição penal iraniana. E porque não? Há costumes que não se devem perder, não é? E porventura o macho latino ainda terá muito a aprender com o macho persa.
No entanto, para evitar ser acusado de apropriação cultural, o tribunal sustenta a sua decisão na cultura católica apostólica romana, sublinhando que na “Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte”. Ora bem, eu não sou jurista, mas se a Bíblia é utilizada desta forma em acórdãos de tribunais superiores do nosso país, é minha opinião que não devemos ostracizar os demais géneros da ficção.
Se a justiça portuguesa se rege por obras de fantasia, não vejo por que razão é que o tribunal não sentenciou a adúltera a caminhar nua pela cidade onde praticou o crime, numa merecida humilhação pública, no meio de uma turba de populares moralistas, entre insultos e escarros – como dita a jurisprudência do caso Cercei Lannister, descrito nos volumes doutrinários da saga Game of Thrones. Aponte-se, para referência futura.
Mais, se a justiça portuguesa se socorre, com este caráter vinculativo, de documentos fictícios, há até uma boa probabilidade de José Sócrates se esquivar da pena de prisão, no caso de a defesa recorrer às regras do Monopoly. Isto é, se lhe calhar o mesmo número no lançamento da dupla de dados, se continuar na prisão passadas três jogadas ou se pagar 500 escudos – cenário mais provável, caso o amigo continue a ser a banca.
Apesar de tudo, a Humanidade poderá agradecer à sorte o facto do juiz que relata este acórdão não ter estado presente nos julgamentos de Nuremberga. Afinal, a Bíblia atribui claramente a culpa da crucificação de Jesus Cristo ao povo judeu. Ora aí está, uma excelente atenuante para os nazis. É que se, para este tribunal, o arguido do caso de Felgueiras agrediu a mulher num quadro de instabilidade emocional que durou 4 meses, os nazis terão também agido impulsiva, ainda que retroativamente, com um espaçamento de 2000 anos. Se fosse hoje, safavam-se com a pena suspensa.
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