Na escolha presidencial entre o candidato único das oposições, Kemal Kiliçdaroglu, herdeiro político do ideal da Turquia laica do fundador da república, Kemal Ataturk, em 1919, e o regime neo-otomano de Recep Tayyip Erdogan, há 20 anos ao comando da Turquia, em modo cada vez mais hiperpresidencial, com desvios tirânicos, os eleitores turcos também estarão a ser barómetro sobre o estado do populismo musculado que tem caraterizado a Turquia destes últimos anos e que se tem infiltrado nas democracias ocidentais.

As sondagens dão ao candidato Kemal Kiliçdaroglu possibilidades de ganhar. Ele aparece na campanha como “uma boa pessoa”, culta, tolerante, disposta a reunificar os turcos e a pôr fim ao regime autoritário. Entre os apoiantes há quem lhe chame “o Gandhi da Turquia contemporânea”. Na semana que leva ao dia das eleições, o candidato da oposição continua na frente, embora com Erdogan a aproximar-se do empate técnico.

É a primeira vez que Erdogan, nos 20 anos que leva de poder na Turquia, chega a um dia de eleições sem estar na frente das intenções de voto. O autoritarismo dos últimos anos, que limita e reprime os direitos humanos, com prisão de tantos que contestam o regime e que fez tantos turcos partirem para o exílio, agravou o fosso que afasta de Erdogan muito da cidadania turca. Acresce a situação económica desastrosa (inflação anual a 44% em abril) e a má gestão das consequências do tremendo terramoto do passado 6 de fevereiro.

Erdogan continua a ser o sultão desejado por muitos turcos. Neste último domingo de campanha, juntou à volta de um milhão de aduladores na placa do aeroporto Ataturk, em Istambul. Nos discursos, Erdogan está a recorrer a todos os instrumentos para desgastar o rival. No comício deste domingo, acusou Kiliçdaroglu de ser alcoólico e de ter ligações ao “terrorismo curdo” .

Kiliçdaroglu conseguiu a inédita aliança plural das oposições turcas, do centro-esquerda ao conservadorismo moderado laico, passando pelos verdes e pelos movimentos curdos. O voto de mais de 14 milhões de curdos pode ser decisivo nesta eleição num país com 80 milhões de pessoas. Os curdos, hostilizados pelo regime de Erdogan, representam cerca de 12% do eleitorado turco.

A votação no próximo domingo vai ser muito cerrada. Erdogan pode sair derrotado. A Turquia pode passar do sistema autoritário comandado por um só homem para um governo que seja expressão de vontade democrática.

A derrota de Erdogan, se acontecer, significará a Turquia a voltar a aproximar-se da Europa e dos Estados Unidos, a deixar de vetar a entrada da Suécia na NATO, a largar os abraços com Putin e a recuperar para a Turquia a identidade laica que colocou Ataturk na história. O poder político em Moscovo e em Pequim, nas monarquias do Golfo e em Teerão estará a desejar a continuidade de Erdogan. O partido dele, o AKP, está destinado a continuar maioritário no parlamento de Ancara. Mas a presidência do país pode passar para a oposição democrática. A ser assim, é uma mudança radical para a cidadania turca e o fim de ambiguidades nas relações geopolíticas no Mediterrâneo e entre Ocidente e Oriente.

A eleição do próximo domingo é de resultado imprevisível.