Primeiro que tudo, por existir. Se não existisse, não lhe tinha acontecido nada disto. Logo aí, em vez de se estar só a queixar, devia assumir a sua quota parte por existir. Ela não pediu para existir? Paciência, ninguém pediu. Agora que existe tem que ser responsável pelo ar que respira. Depois, é mulher. Ninguém tem culpa que ela seja mulher, a não ser ela. Estamos em 2020, já podia perfeitamente ter mudado de sexo e agora ser um homem, se sabe desde que nasceu que é muito mais difícil ser mulher. Portanto, se ainda não o fez, a culpa é dela. Já nem entrando pelo facto de ter sido uma opção dela, ter usado o comboio – ninguém a obrigou, não é? – , quem é que escolheu aquele vestido? Ela, claro está. Vestido com um decote generoso (eufemismo para provocador), de onde saíam as suas mamas. Além da escolha do vestido, a culpa de ter mamas é dela e só dela. Não é de mais ninguém, muito menos do pobre revisor da CP que não tem culpa nenhuma de ser homem, nem de se sentir sexualmente entusiasmado ao ver uma mulher, daquelas mulheres que ainda por cima têm mamas e usam vestido.
Além disso, o revisor da CP também não tem culpa de, como bom cavaleiro do patriarcado que é, estar preocupado com o facto de as mamas da Sara se poderem constipar. É por demais evidente de quem é a culpa neste caso de “assédio sexual”, segundo a Sara, ou de “ser um homem em condições”, segundo a opinião de milhares de portugueses. Para quem ainda estivesse com dúvidas de que é a culpa, basta passar pelas redes sociais e ver como são aos milhares, tanto de homens como de mulheres, os comentários a culpar a Sara, e bem, por todas a razões que já referi.
É pelo vestido, por provocar os coitados dos homens, pelo corpo dela, por andar de comboio, por andar (só), por respirar, por existir. Ah, e também é muito culpada por querer atenção, likes e seguidores. Aliás, ainda não havia redes sociais, e a culpa já era das mulheres de andarem aí de tornozelos à mostra só para os likes.
Só para provar tudo isto, quando a Sara estava a dar uma entrevista sobre o caso, em directo na TV, passa um homem e grita-lhe piropos. A culpa é dela que estava, ainda por cima, com o mesmo vestido. A Sara é que se pôs a jeito. Todas as Saras que ouvem piropos, são assediadas e violadas é que se puseram a jeito. A violência psicológica e física a que estejam sujeitas é culpa das Saras, não é dos machistas, não é do sexismo conivente por todo o lado, do patriarcado instalado. A culpabilização das vítimas pode parecer abjecta, absurda, hedionda e medieval, mas é 2020 e é aí que que estamos.
Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:
- The Social Dillema: é dos documentários mais importantes e urgentes do nosso tempo. A ver na Netflix.
- Direito à Preguiça: Paul Lafargue
- Apologia do Ócio: Robert Louis Stevenson.
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