Não há como evitar. Dos mais sobriamente intelectuais aos mais levemente disponíveis, todos nós somos atingidos pela síndrome dos primeiros dias de janeiro. Passámos da fase dos desejos ao bater das 12 badaladas do dia 1 de janeiro para a agenda das resoluções. Que, como se sabe, é muito mais impiedosa e menos romântica.

A coisa está estudada e comprovada. Há pedidos que se renovam com a mesma garantia com que a Primavera sobrevem ao Inverno. Queremos ler mais, correr mais, comer melhor, deitar mais cedo, passar mais tempo com a família, fazer aquela viagem.

Claro que isto somos nós, as pessoas comuns.

Para as outras pessoas, aquelas que nos governam, janeiro é o primeiro mês de um calendário sempre difícil que obriga a conciliar ciclos eleitorais, do país e dos partidos e de Bruxelas, com o dinheiro que existe para gastar. Este ano, na realidade, vai ser janeiro em março, porque face ao calendário politico dos últimos meses, só neste mês, na melhor das hipóteses, chegará ao Parlamento a proposta de orçamento do governo liderado por António Costa. O que significa que só em março estará provavelmente em execução.

E se os cínicos estiverem certos, politicamente o Natal pode mesmo ser enquanto um homem, António Costa, quiser. Ou seja, as boas notícias, natalícias quase se diria, que foram dadas nas primeiras semanas de governação podem conhecer uma extensão por mais alguns meses. Diz-se que em Outubro é que é. Que a partir do segundo orçamento, desta vez já em prazo regulamentar, António Costa já poderá decidir quando acaba o Natal, pelo menos no que respeita ao espírito de boa vontade entre os homens (e mulheres) que são seus parceiros de coligação.

Ou seja, tendo o país satisfeito – os funcionários públicos a ganhar mais, os contribuintes a pagar menos sobretaxa, os reformados a ganhar (!) mais pensões – aí, sim, António Costa poderá decretar o novo calendário do Advento.

Esta é a visão de uma parte do país que analisa e comenta. Mas, como sabemos, até Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente-pescada, admite hoje perante as câmaras que quando disse que o Banif estava bem (onde é que já ouvimos isto?) apenas o fez “como analista”. O que reduz a análise a um papel de entretenimento, o que talvez não seja mau.

O pior continua a ser mesmo o mundo lá fora. Um mundo cada vez mais complexo e onde anda tudo ligado. Um mundo onde, sem margem para dúvidas, já não é Natal, pelo menos desde segunda-feira, dia 4 de janeiro. As primeiras quatro sessões nos mercados norte-americanos (Dow Jones e Nasdaq), onde se decide psicologicamente o estado de espírito do dinheiro em todo o mundo, registaram o pior arranque em 100 anos. Um século é mesmo muito tempo – houve duas grandes guerras, invasões, atentados, falências gigantescas. É por causa da China, é por causa do petróleo, e se hoje ainda não percebemos porque é que isto tende a correr mal é mesmo porque andamos distraídos.

No próximo domingo começa a campanha para as eleições presidenciais.

Duas semanas depois, Cavavo Silva sai de cena.

No mês seguinte teremos um novo Orçamento de Estado.

Tudo diria que é um tempo de renovação. Mas algo me diz que poderá ser mais como canta Sérgio Godinho. Podemos estar à espera do comboio na paragem do autocarro.

Seja como for, temos doze meses inteirinhos para acertar na linha, ainda com o bonus track de mais um dia, que o ano é bissexto. Tenham um feliz 2016!

Leituras e audições para um fim de semana de chuva

Começemos pelo mais difícil de digerir, para nós todos que em Dezembro acabámos de comprar mais um banco. Este trabalho da Cristina Ferreira, no Público, conta como o Banco de Portugal descartou uma proposta de compra do Banif que permitiria uma solução menos penalizante para os contribuintes. O Diário Económico mostra-nos também uma outra faceta do negócio: quando o Santander comprou o Banif por 150 milhões de euros, não levou só a parte do negócio do banco que foi considerada saudável, mas também a possibilidade de reclamar do Estado português um crédito fiscal num valor que rondará os 289 milhões de euros.

Na banca e no seu impacto no bolso dos contribuintes, ano novo só mesmo no calendário.

Acabei o meu artigo de hoje com uma expressão cunhada de um dos nossos cantautores e a realidade é que a cantiga é uma arma em qualquer parte do mundo. A Coreia do Sul, por exemplo, responde aos testes nucleares do vizinho do lado com as K-pop. Ah pois é, ora ouçam.

E se depois da K-Pop quiserem simplesmente deliciar-se com o prazer da música, passem por aqui. É sobre o novo trabalho de David Bowie, para ouvir em dias de chuva e não só.

Rui Maia (X-Wife, Mirror People) já ouviu o 25.º álbum de David Bowie. É fã de longa data. O álbum, editado esta sexta-feira, dia em que Bowie completa 69 anos de vida, lança o inglês para as águas livres do jazz e da música experimental. "Ele soube sempre reinventar-se", diz Maia.