Cada dia fica mais evidente que as guerras abertas por Putin são duas. Uma é a que tem campo de batalha na Ucrânia, a outra tem como primeiro alvo a Europa e tem como arma a grande dependência europeia do gás russo. Esta é uma guerra que a Europa não pode perder.

A Alemanha dos últimos 20 anos, com Schroeder e Merkel, colocou a Rússia como o grande parceiro energético da União Europeia. A Europa tornou-se progressivamente dependente da Rússia e negligenciou o risco de rutura política com a Rússia.

A guerra de Putin na Ucrânia e as sanções dela decorrentes puseram fim a essa parceria e deixaram a Europa exposta à emergência de grande escassez energética, portanto ao risco evidente de recessão económica.

O controlo da torneira do gás está, por agora, a dar a Putin poder determinante. Passará por aí uma parte da escalada verbal que ele desencadeou no discurso de 7 de julho perante os líderes do parlamento da Rússia, numa muito preparada operação de propaganda através da transmissão pela TV para toda a Rússia. Putin serviu-se desse discurso para deixar a pairar uma ameaça maior: “As coisas sérias [no confronto em curso] ainda não começaram”.

Putin estaria a referir-se ao campo de batalha na Ucrânia ou à guerra ainda silenciosa e não formalmente declarada com a Europa?

A guerra da energia envolvendo a Europa tem consequências inimagináveis. O ministro alemão da Energia e do Clima, o Verde Robnert Habeck, já está a prevenir que “o próximo inverno vai ser crítico”.

Desde as 6 da manhã desta segunda-feira, 11 de julho, nenhum metro cúbico de gás russo passa pelos 1200 quilómetros de gasoduto que liga diretamente o terminal da Gazprom na Rússia aos depósitos na costa da Alemanha. Esta é uma interrupção para manutenção que estava prevista e com duração fixada em 10 dias. Mas há muito temor em Berlim, em Bruxelas e em outros centros de decisão política na Europa que, chegado o dia 21 de julho, este corte passe de temporário a indefinido.

Vladimir Putin tem na mão o fecho total do fornecimento de gás como arma crucial de pressão sobre a Europa. A Alemanha, a Áustria e a Itália são os países mais expostos a situação crítica em caso de corte do gás. Vários economistas alemães advertem que se na quinta-feira da próxima semana o fluxo de gás russo não estiver de volta à distribuição pela Alemanha, então a economia deste país vai entrar em recessão e contagiar a Europa, onde a indústria da Alemanha e da Itália é muito dependente do gás russo.

Já está marcada para 26 de julho uma reunião em Bruxelas de todos os parceiros europeus: vão avaliar a realidade com os dados dessa data. Sabe-se que estão estudadas medidas de solidariedade entre os diferentes países para sustentar o abastecimento, mas também está ponderado o eventual recurso a medidas de racionamento.

Assim, é o fantasma das consequências da guerra a pairar sobre a Europa.

Está há vários meses em curso um grande esforço para reduzir a dependência europeia do gás natural russo. No último inverno 40% da energia utilizada na Europa tinha origem na Rússia. Essa dependência está reduzida para cerca de metade, mas continua a ter muita importância.

Os Estados Unidos da América estão a ser a principal alternativa à origem russa. Mas o gás dos EUA sai muito mais caro e não tem o fornecimento agilizado.

É facto que está com grande robustez e alta velocidade a instalação de alternativas com as fontes renováveis tão necessárias para salvar equilíbrios climáticos. Mas, por maior que seja - e é - o empenho, esta solução ainda não estará disponível no próximo inverno.

Se, apesar das enormes dificuldades, a União Europeia conseguir superar o grande desafio energético com que está confrontada no próximo inverno, desarma Putin nesta guerra do gás, demonstrará que prescinde totalmente do gás russo e, assim, deixará de financiar – como até agora tem estado a fazer – a guerra de Putin na Ucrânia. Se a Europa conseguir libertar-se da dependência da energia russa, o impacto sobre o Kremlin será enorme: nesse caso a Rússia perde o principal cliente que, em engrenagem absurda, tem sido o principal financiador da guerra de Putin.

Se a Rússia não vender para a Europa, não há clientes que compensem o vazio criado.
É assim que esta guerra do gás se revela decisiva no grande confronto que Putin abriu também com a Europa.

Nesse combate pela hegemonia entre as duas Europas, Putin visa pôr fim à ordem saída da Guerra Fria e assim enfraquecer o sistema em que o Ocidente tem sido dominante.