A Indonésia não só é um país enorme, com 1.900.000 Km2, como tem a particularidade de ser aquele com mais ilhas, 17 mil. Mesmo assim, nos idos de 1975 não queria prescindir de metade duma das pequenas, Timor… Bem, isso era porque Suharto, ditador de direita, ganhava a vida a perseguir tudo o que achasse comunista, e quando a Fretilin tomou conta da que tinha sido Timor Português, resolveu agir com a sua habitual violência. Suharto, um general que tomara o poder em 1967, ficou conhecido não só pela violência como também pela corrupção.

Acabou por renunciar, em 1998, perante a insolvência do país e enormes manifestações populares. Além disso tinha perdido o apoio das potências ocidentais por causa de Timor. O país passou então por vários presidentes mais tolerantes - um deles legalizou as seis religiões praticadas nas ilhas, até aterrar, em 2001, nas mãos de Megawati Sukarnoputri, que por acaso era filha de Sukarno, o homem que tornou a Indonésia independente da Holanda, em 1949.

(Foi na Indonésia que se deu a famosa Conferência de Bandung, em 1955, que marca a institucionalização univeral da descolonização, sem que Salazar desse por isso. Mas isso é outra história…)

Megawati foi uma desilusão, ou melhor, não desfez nenhuma ilusão, uma vez que o seu governo (que reconheceu Timor Leste em 2002) continuou a corrupção endémica e o favorecimento das mesmas famílias de sempre, e não fez nada de relevante para desenvolver o país. Entretanto novas guerrilhas apareceram em várias ilhas, desta vez fundamentalistas islâmicas, ajudando a aumentar a instabilidade da Indonésia.

Nas eleições de 2004 foi derrotada pelo General Susilo Yudhoyono, conhecido por vários massacres - inclusive tinha participado na invasão de Timor-Leste. O seu governo seguiu o padrão habitual de más praticas, podendo dizer-se a seu favor que nas eleições de 2009 foi reeleito com o maior número de votos do mundo até essa altura: 73.874.562 (Numa população de 274 milhões - a Indonésia é terceira maior democracia do mundo, atrás da Índia e dos Estados Unidos.)

Até que, em 2014, ganha as eleições um presidente diferente, Joko Widodo. Como presidente da câmara de Jacarta tinha-se mostrado atento aos problemas do povo, introduzira melhoramentos de vulto, cortou na burocracia e na corrupção, não vinha duma família de militares… Enfim uma cara nova com ideias novas e uma esperança.

E, realmente, nos anos que se seguiram, Jokovi (como é conhecido) melhorou as infraestruturas, aliviou as restrições ao investimento estrangeiro, incentivou o processamento do níquel (o país é o maior produtor mundial), travou a desflorestação e seguiu uma política internacional prudentemente equidistante entre os Estados Unidos e a China. 

Uma vez que Jacarta é uma mega-cidade que se está a tornar inviável, conforme já aqui relatamos, Jokovi traçou planos para uma nova capital mirífica, que ainda não passou do papel, mas que é uma ideia interessante.  Entretanto, as famílias reinantes da Indonésia não desapareceram.

Ao fim de dez anos do governo positivo dum ex-vendedor de móveis, parece que vão voltar ao poder em força. Nas eleições do dia 14 de Fevereiro, quem ganhou foi Prabowo Subianto, um general dos tempos de Suharto, de quem aliás é genro.

O seu currículo inclui inúmeras atrocidades em Timor Leste, o rapto de activistas pró-democracia em 1998 e outras brutalidades de igual teor. Concorreu (e perdeu) contra Jokovi nas duas últimas eleições, mas desde então parece que fizeram um acordo. Widodo, que não pode ser reeleito, até fez campanha por ele, e o seu filho, Gibran Rakabuming, será o novo vice-presidente. Como Gibran só tem 36 anos, Jokovi pediu ao Presidente do Tribunal Constitucional, que por acaso é seu cunhado, para mudar a idade legal mínima para a vice-presidência, que era de 40 anos. 

Jokovi também foi acusado de subornar a chamada Comissão Anti-corrupção. Mas, com os 56% de votos que Subianto recebeu, é ele que nos interessa agora. Os outros candidatos dizem que a campanha não foi limpa, que houve pressões nas manifestações e na comunicação social - o costume.

Não se sabe exactamente o que Subianto vai fazer com o poder que já lhe escapou da mão nas duas eleições anteriores. O que dizem os cépticos é que finalmente o general descobriu como conseguir a vitória, em parte porque Jokowi não pode ser reeleito, em parte porque o incluiu na teia dos interesses do costume.

Diz-se que Jokowi espera que o sucessor siga as suas políticas e que até tenha influência em novas decisões, mas também se diz que Subianto vai trazer novamente os velhos métodos violentos e manter a corrupção que, entretanto, nunca desapareceu. A nova capital a construir em Bornéu vai fazer fortunas aos afortunados que nunca deixaram o poder, e duvida-se que os habitantes de Jacarta tenham meios ou interesse na mudança.

A transformação no níquel dentro do país é para manter, mas já está na mão das famílias. Não é o indonésio médio que ganha com esta patriótica política. Fora isso, Subianto fala num crescimento anual de dois dígitos - 6 a 7% - mas há dez anos que o país não cresce tanto. Não se percebe como é que esse milagre económico possa acontecer sob a batuta dum general sem experiência económica.

Enfim, não vamos estar aqui a prever o pior, mas todos os sinais são de que a terceira democracia mundial vai ser menos democrática nos próximos anos. No “Índice Democrático” do The Economist, a Indonésia é classificada como “democracia imperfeita” - juntamente com muitas, inclusive a nossa - mas arrisca-se a passar para a classificação abaixo, “regime híbrido”. Como a Hungria, só que com 274 milhões de alminhas esfomeadas.