Ontem, a celebrar a liberdade, com o sol a dizer-nos que há esperança, repletos de sonhos por cumprir e sem se atreverem a tanto, dois jovens almoçavam num pequeno café de bairro. O almoço era composto pelo menu da casa, no valor de seis euros: pataniscas de bacalhau com arroz de legumes, garrafas de água. Um dos homens não deveria ter mais de 23 ou 24 anos, percebi que tinha uma licenciatura e mestrado e que fazia um estágio numa empresa ligada à engenharia civil. Dizia: “Pois, acho que vou ficar a fazer estágios até aos 30 anos”. E o outro, de idade similar, acrescentava com desgosto: “Não vamos sair de casa dos nossos pais. Nunca conseguiremos”.
Sim, a ganhar 600 euros nunca conseguirão, pensei eu enquanto fazia contas rápidas. Mesmo que optem por ir viver para os arredores da grande cidade – não lhes resta mesmo qualquer outra hipótese –, a verdade é que não têm como assegurar renda, transportes, comida para o frigorífico. O rendimento não chega.
A educação que nos distinguia, pelo menos na minha geração, não faz qualquer diferença nos dias que correm. Três anos de licenciatura, dois anos de mestrado, fluentes em inglês e com vontade de liberdade, de autonomia, os jovens ficam em casa dos pais num esforço inglório de conseguir “fazer-se à vida”. Um destes jovens explicava que a namorada estava nas mesmas circunstâncias e que o rendimento conjunto não ia dar para nada. “E agora pensa: queres ter filhos? Deve ser idiotamente caro!”. Sim, ter filhos não é barato. Nada o é, nos dias que correm (nunca foi, na realidade).
Na televisão do dito café mostravam-se sucessivas imagens da Revolução de 1974, as comemorações, as cerimónias solenes. Os jovens não espreitaram nenhuma das reportagens, estavam alheados do mundo, um pouco deprimidos, diria, disponíveis apenas para não comemorar a pouca liberdade de um ordenado que não cumpre com as expectativas criadas. E, um deles, rejeitando a oferta de café do empregado, adianta em tom sarcástico. “Nem sei por que carga de água fui tirar a carta de condução. Foi dinheiro atirado à rua”. Depreendi que não tem carro, nem possibilidades de o ter. Pagaram a conta, cada um o respectivo menu, e foram pela rua, lambidos pelo sol, a ver se conseguiam ir mais longe.
Ontem celebrámos a liberdade, mas há quem seja demasiado novo para ter memória do que foi viver a ditadura e esteja apenas focado nos dias que correm, na forma como a vida se desenha agora.
Há 44 anos, no dia extraordinário “inicial inteiro e limpo” sobre o qual escreveu Sophia de Mello Breyner Andresen, tínhamos em nós todos os sonhos do mundo. Hoje, quem tem vinte e poucos anos, dificilmente consegue alimentar os seus desejos, porque a vida é madrasta e as condições de empregabilidade são o que está à vista de todos. Só não vê quem não quer.
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