Em outubro do ano passado, Tel estava no festival de música no Route 61, de Las Vegas, quando um perturbado mental, com 64 anos, equipado com armas de guerra disparou em todas as direções e causou a morte de 59 pessoas e ferimentos em 527. Tel estava lá mas escapou ileso. Na última quarta-feira, na noite seguinte às eleições “midterm”, Tel estava no Borderline, um bar e churrasqueira de Thousand Oaks, onde vivia, quando um outro atirador com cabeça descontrolada, um homem com 28 anos, abriu fogo de arma automática. Tel é um dos 12 clientes do bar que caíram mortos, tal como o matador. Foi morto no 312º dia de um ano em que os Estados Unidos já tiveram 307 tiroteios que causaram, cada um, várias vítimas.

Thousand Oaks, o lugar desta matança, é um subúrbio residencial, muito confortável, a noroeste de Los Angeles. A paisagem é dominada por moradias, todas rodeadas por jardins. Muitos reformados com desafogo escolhem lugares como Thousand Oaks para viver.

O mesmo se pode dizer do bairro de Pittsburgh onde, 11 dias antes da matança em Thousand Oaks, um outro homem com desvio mental matou 12 pessoas que participavam num serviço religioso numa sinagoga.

No momento em que decorria o último funeral das vítimas da chacina em Thousand Oaks (uma senhora com 97 anos, Rose Mallinger), a polícia de Tallahassee, capital do estado da Florida, era chamada para acudir a uma emergência: um homem entrou num centro de ioga, abriu fogo e matou duas mulheres.

Uma destas duas mulheres mortas tinha estado, em fevereiro, a confortar famílias amigas que tinham perdido filhos no massacre de 17 estudantes e professores da escola de Parkland, no sul da Florida.

Após todas estas carnificinas houve bandeiras a meia haste e muitas lamentações. Já tinha sido o mesmo há um ano, quando outro atirador disparou e matou 26 pessoas numa igreja em Sutherland, no Texas.

Há um outro ponto comum a todas estas atrocidades: todos os matadores tinham nascido nos Estados Unidos e tinham reconhecidos desvios mentais. Mas todos, tal como toda a gente nos Estados Unidos, tinha acesso fácil a armas de fogo. Servem-se de uma legislação que favorece a posse de armas classificadas como de defesa, mas que servem para fazer dos portadores matadores.

Os EUA são um país que já chorou, em 1963, um presidente, John Kennedy, morto a tiro. Destino idêntico teve, meses depois, o irmão, Robert, ministro da Justiça e então aspirante à presidência.

Há sete anos, uma congressista, Gabrielle Giffords, ficou às portas da morte, quando foi alvejada no decurso de uma sessão de esclarecimento político (“Congress on your Corner”) em Tucson, no Arizona. Nesse ataque com arma automática 18 pessoas foram baleadas e seis morreram, entre elas uma criança com nove anos, que tinha ido com a mãe às compras, e um juiz que estava ao lado da congressista.

Nada impede que gente mentalmente instável, propensa a episódios de violência, ande na rua, nos Estados Unidos, com armas que matam e com poder de fogo para atingir muitas pessoas.

O poder político nos Estados Unidos é incapaz de contrariar o império dos negociantes de armas, um império encabeçado pela National Rifle Association.

O presidente Obama chorou em 2012, na homenagem aos 20 estudantes da escola de Newtown mortos por um ex-estudante armado dos pés à cabeça. Obama evocava outras matanças em escolas, a de Columbine e a de Blacksburg, quando as lágrimas ficaram à vista de todos. O então presidente prometeu fazer tudo para garantir o direito à felicidade e à vida. Vários congressistas juntaram-se em declarações sobre a necessidade de intervir para parar estas ameaças e matanças. Ficaram todos pelas palavras. Se quiseram mesmo concretizar a ação, falharam por impotência.

Nos dias que correm, o atual presidente clama contra uma marcha de desesperados da América Central que tenta entrar nos Estados Unidos. Trump vê-os como “ameaça à segurança da América”. De facto, a ameaça está nas mãos dos legisladores que permitem que armas continuem facilmente nas mãos de quem não tem condições para as ter.

No Brasil, o presidente eleito quer imitar os EUA e generalizar o acesso a armas de fogo. O Brasil já é um lugar de tiroteios diários. Com mais armas e com todos armados, é de imaginar o pior.

Sem um forte controlo da posse e uso de armas de fogo a matança interminável tende para ser cada vez pior.

TAMBÉM A TER EM CONTA:

A tragédia do fogo na Califórnia: pelo menos 25 mortos, 6500 residências devastadas, 15 mil sob ameaça das chamas.

As eleições midterm nos EUA ainda não estão fechadas mas já arranca a presidencial de 2020.

A tragédia síria vista por artistas.