Enquanto jornalista, nunca tinha pensado sobre como teria sido vivida a noite de 25 de abril numa redação de imprensa escrita, sendo que a história nos conta mais a versão das rádios ou da televisão, que tiveram um papel ativo nas manobras revolucionárias. No entanto, sem holofotes nem microfones, atrás das máquinas de escrever, vários foram os jornalistas que saíram certamente à rua para reportar sobre aquele dia e também aqueles que nunca pensaram vir a dar aquela notícia. 

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A peça ‘A Noite’, que esteve até ao início do mês no Centro Cultural Malaposta, conta precisamente as vivências dos jornalistas em redação naquela que seria a noite que mudaria a história do jornalismo português para sempre. Esta foi a primeira peça escrita por José Saramago, e foi encenada nesta versão por Paulo Sousa Costa. Com uma escrita e encenação modernas, o texto é simples de compreender, mesmo para quem vê a escrita do autor como um desafio.

Aqui, observa-se o conflito moral entre os jornalistas fiéis ao regime e aqueles que aguardam a mudança. Com vários atores conhecidos, nomeadamente Diogo Morgado, no papel principal de  Manuel Torres, redator da província, a narrativa vai crescendo até chegar a revolução e os trabalhadores que desejam o fim do regime tomarem as rédeas daquilo que é publicado.

Num confronto entre o tradicional e interesseiro e a vontade de progresso, o protagonista entra em confronto com Valadares, o chefe de redação interpretado pelo ator Luís Pacheco, e tenta provar-lhe que: “O dono do dinheiro é sempre o dono do poder, mesmo quando não aparece na primeira fila como tal. Quem tem o poder, tem a informação que defenderá os interesses do dinheiro que esse poder serve. A informação que nós atiramos para cima do leitor desorientado é aquela que, em cada momento, melhor convém aos donos do dinheiro. Para quê? Para lhes darmos mais dinheiro a ganhar. Servem-se de nós, e nós servimo-los a eles.”

É precisamente o poder que os jornalistas que desejam o fim do regime querem conquistar nesta noite, e quem assiste é convidado a observar esta história de conquista pela vontade de escrever o que se quer no jornal onde escrevem diariamente. Isto é algo que hoje os jornalistas atualmente veem como garantido, mas que naquela noite foi de extrema importância conquistar.

Além de um importante retrato da revolução, a peça é também o retrato da evolução de uma classe que “está para nascer”, naquela altura, como é dito na peça, e um retrato histórico da época repleto de referências daquele tempo. Até no intervalo os anúncios são daquela altura, e quem assiste consegue por uns momentos quase que entrar numa máquina do tempo rumo a esta noite de 1974.

Fizeram-se inúmeras peças e espetáculos de todos os tipos sobre o 25 de abril, inclusivamente musicais. Esta, escrita pelo único Nobel da literatura português, é particularmente marcante por se passar dentro de uma redação, onde a liberdade de que hoje se dispõe foi ali fundada, e mesmo quem não é jornalista conseguirá certamente perceber a importância destas dinâmicas.

Apesar de ser uma peça sobre jornalistas e com atores a fazer de jornalistas, chefes de redação, secretários, diretores e contínuos, qualquer apreciador da liberdade vai gostar de entrar nesta dinâmica própria de redação, e acompanhar esta noite dentro dos anos 70. Mais do que uma luta entre chefes e trabalhadores, é a história de como as redações aprenderam a ser livres, uma coisa estranha naquela altura.

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Além de Diogo Morgado e Luís Pacheco a peça conta com interpretações de Jorge Corrula que é Jerónimo, chefe da tipografia, João Didelet, que faz de Máximo Redondo, diretor da redação, Elsa Galvão, Esmeralda, a secretária da redação, Ricardo de Sá, Pinto, redator desportivo, Henrique de Carvalho, Fonseca, redator parlamentar, Sara Cecília, Cláudia, estagiária da redação e João Redondo, Faustino, o contínuo. 

O SAPO24 foi ver a peça e falou com o protagonista, um artigo que pode ser recordado aqui. Por agora, a peça não está em cena, mas irá voltar nos últimos meses do ano para mais sessões. Os bilhetes já estão à venda para a Academia de Artes do Estoril, de 27 a 29 de setembro, e depois estará de regresso ao Centro Cultural Malaposta, de 6 de novembro a 29 de dezembro.