A mês e meio das eleições europeias, a principal mudança previsível com o resultado destas eleições é a entrada forte no coração da Europa de militantes soberanistas que são contra o ideal de Europa unida. Vão alargar muito a presença da ultra-direita no Parlamento Europeu. Poderão chegar à quota dos 20% ou até um pouco mais. Serão uns 150 entre 705 (se o Reino Unido estiver fora) eurodeputados. Têm uma ambição para a próxima legislatura: pressionar a força política maioritária, o PPE, que agrupa partidos tradicionais na direita do centro (por Portugal, o PSD e o PP) para que passe a olhar para a direita em vez de procurar consensos à esquerda (com os social-democratas, socialistas e liberais).

Outra mudança provável, decorrente desta entrada forte dos soberanistas: o bloco central (PPE e PSE) que tem sempre dominado as votações no Parlamento Europeu, por dispor de maioria absoluta, vai agora ficar abaixo dos 50%. O mais provável é que esses partidos clássicos procurem a aliança com os liberais para continuarem a marcar o rumo principal. A pressão e vozearia dos ultras à direita tende, no entanto, a marcar muito a agenda do futuro imediato na Europa.

A paisagem política mudou muito desde as anteriores eleições europeias, há cinco anos. Várias fragilidades da União Europeia estão a mostrar, sobretudo a partir da crise migratória no Mediterrâneo, disparada em 2015, a falta de solidez da União Europeia. O abalo foi agravado pela onde de choque do terrorismo em França e que se propagou na Bélgica e na Alemanha. Depois, em 2016, por entre propaganda assente informações falsas, os britânicos votaram pelo Brexit. A Europa política entrou então em laboriosas negociações que têm consumida muita energia que tanta falta faz para a construção positiva da Europa.

As eleições gerais em 2017 em França, na Alemanha e na Holanda foram marcadas pelo crescimento de partidos nacionalistas, anti-migrantes e contrários aos valores de solidariedade fundadores da União Europeia. Na Alemanha, o Bundestag passou a ter 91 deputados AfD, que se assumem da extrema-direita. Na Áustria, o jovem conservador Sebastian Kurz, para garantir o lugar de chefe de governo teve de pagar o preço de uma aliança com o FPO, partido fundado por neonazis.

A União Europeia entrou em tempestade em consequência da má condução dos comandantes políticos, que não souberam liderar a união das pessoas. A maioria dos chefes dos últimos 20 anos não percebeu que sem o desenvolvimento da base cultural comum, envolvendo os cidadãos, não há união nem solidariedade.

Há um bem extraordinário na Europa que avançou para a União: o centro da Europa, antes tão devastado pelas guerras, está há 75 anos sem conflitos armados – a não ser o combate contra o terrorismo. Mas até essa conquista pode ficar incerta com o Brexit a recolocar fronteiras entre as Irlandas e a reabrir o sério risco de retorno aos “troubles” em Belfast, Derry e em outros lugares da Irlanda do Norte.

O programa Erasmus é um formidável incentivo à procura do que é identidade comum, dentro das diversidades. Poderia ampliar-se tanto mais. Há a esperança de que possa desenvolver-se em oportunidades de trabalho e criação.

Mas esta União Europeia que tantos desejamos exaltante, audaciosa, a puxar para a aventura coletiva, solidária, está neste século nas mãos de líderes a quem escasseia a coragem. Produzem diretivas, normas, regulamentos, deixam-se ficar sequestrados pela obsessão única de controlo do défice e da dívida, continuam sem sair do labirinto de burocracias e ignoram a tarefa essencial de liderança positiva dos cidadãos.

É nesse vazio que avançam os ultras do egoísmo, com propostas supostamente fáceis para os problemas complexos da Europa. O italiano Matteo Salvini, número 2 na hierarquia do governo de Roma, mas de facto o chefe máximo da política italiana e líder do partido Liga (o mais votado em Itália, está acima dos 30% e faz maioria absoluta com os aliados do Cinco Estrelas), está há vários meses a encontrar-se com políticos europeus com quem sente afinidade. O húngaro Orbán está à cabeça, juntamente com o polaco Kaczinsky e a francesa Le Pen. Juntos e com outros querem lançar a “Frente da Liberdade”, aliança de forças ultranacionalistas, com o objetivo de assalto às instituições da União Europeia. Nesta segunda-feira, Salvini vai ter ao lado dele, no lançamento do manifesto soberanista, em Milão, dirigentes da AfD alemã, do Finns Party finlandês, do Dansk Folkeparti finlandês e, provavelmente, do Vox espanhol. Esta aliança sabe que não vai ganhar as próximas europeias, mas vai passar a contar, vai mesmo aparecer como ganhadora por ser o grupo que mais cresce. O que já estão a tratar, com Steve Bannon a assumir-se como estratego, é de organizar os jogos políticos para depois das eleições.

É o que está pela frente, a menos que ainda aconteça um sobressalto da cidadania europeia. É neste combate que tem aparecido o melhor de Macron. Merkel também faz o que pode, mas já perdeu muito tempo. Portugal é um bom exemplo de lideranças políticas pró-europeias, mas os casos e intrigas que se sucedem na política doméstica estão continuamente a barrar a discussão essencial sobre as questões da Europa como espaço sem fronteiras onde não há alfândegas para a política, a cultura, as pessoas.

DADOS QUE VALE TER EM CONTA:

Resultados de todas as eleições europeias (as primeiras, em  1979, as mais recentes, em 2014).

Projeções sobre a distribuição de lugares no próximo Parlamento Europeu, a partir do resultado de inquéritos sobre tendência de voto em cada país.

Em França, já houve um primeiro debate, prolongou-se por três horas, entre os 12 cabeças de lista das candidaturas francesas. Está aqui um resumo do principal desse debate.