Nos Estados Unidos da América, assistimos a propostas para abolir a lei que consagra o direito ao aborto. Em Portugal, teve-se a ideia bizarra de condicionar a avaliação da performance dos médicos de família a partir do número de abortos praticados ou não — os médicos de família como porto seguro é uma ideia que ia à vida, ou é impressão minha? Felizmente, não se chegou a tanto, mas que se tenha considerado como política passível de ser aplicada é algo que transcende os princípios da liberdade, da democracia, da civilização. Mais uma vez — os corpos das mulheres não servem os propósitos alheios.
Em Espanha discute-se a atribuição de licença menstrual. Será o primeiro país a implementar a medida, caso seja aprovada. Discute-se também aí a permissão de abortar a partir dos 16 anos, sem autorização paterna. Reconhecer os direitos sobre o corpo das mulheres, a partir da idade em que se reconhece responsabilidade civil perante a lei, suscitou grande polémica. Porquê, pergunto?
Porque podem os corpos das mulheres, desde sempre, ser discutidos por todos? No caso da licença menstrual, se se fizer um raide pelas redes sociais, percebemos que muitas pessoas acham risível e consideram que haverá espaço e vontade de enganar, de invocar a menstruação para não se exercer funções. É uma questão para a qual não tenho resposta, porque a idade já me ensinou que existem pessoas para tudo, pessoas para distorcer as leis em seu proveito, em prejuízo de outros. Ainda assim pergunto-me se as pessoas que antecipam este cenário trapaceiro já terão vivido dias miseráveis por causa da menstruação. O corpo das mulheres continua a ser condenado por ter, biologicamente, funções dolorosas.
Já agora, deixem-me sublinhar isto: mais de metade das mulheres no mundo não tem autonomia sobre o seu corpo. Não vai ao médico pedir contraceptivos sem ser interrogada: e a autorização do marido? Não pode negar-se a ter relações sexuais. Os dados são das Nações Unidas e devem chocar, incomodar, instigar-nos a fazer mais e melhor.
Infelizmente, muitos pensam: ah, isto é em África ou na Ásia, não se passa no Ocidente. É não querer ver o elefante na sala, passa-se no dito Ocidente educado e civilizado. Sim, é muito difícil ser mulher.
Ouça aqui o episódio do podcast "Um Género de Conversa" com Joana Martins:
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