A sorte sorriu a Portugal. Pusemo-nos a jeito tanto para ficar tanto em primeiro, como em terceiro, mas o risco compensou. Ou seja, Portugal fez questão de desperdiçar o primeiro lugar no grupo por uma boa causa. Para já, porque o primeiro milho é para os pardais e como nação insegura dificilmente aguentaríamos a pressão de vencer o grupo. Depois, porque apanhar uma tremenda bebedeira no dia de ontem não era minimamente recomendável – justificou-se apenas o ficar levemente tocado, dado o dia da semana. Para além disso, porque assim vamos apanhar uma equipa melhor, o que é melhor para nós, em vez de uma pior, que seria pior. Confusos?
Ora bem, não sei se estão a par desta realidade, mas Portugal não joga nada. Muito pouco. O que não tem mal, até porque esta recusa em jogar à bola acontece também em várias seleções com mais qualidade individual do que a nossa (leia-se, qualidade individual coletiva, porque qualidade individual de um só indivíduo ninguém tem a mais do que nós).
Portugal joga tão pouco que talvez desse para ganhar à Rússia. Talvez desse. Conseguem entender o perigo? A seleção joga tão pouco que não seria claramente, mas apenas ligeiramente favorita frente à Rússia. Isto seria terrível. Entrar em campo com um tangencial favoritismo, fruto do histórico e do estatuto da equipa, acoplado a um futebol mediano que não justifica nenhuma expectativa alta.
Contra o Uruguai é diferente: Portugal não joga um chavelho e, por essa razão, parte claramente atrás. O Uruguai tem jogadores de classe mundial, joga à bola, fez nove pontos. Perfeito. Tudo montado para que acabem a ir para casa após uma chouriçada, sorte, ressaltos, três expulsões, ir a penáltis, sei lá, alguma produção do destino que leve a que a superioridade tática tenha zero influência no resultado final.
É o que se quer, em 2018 como se quis em 2016 – apostar que uma narrativa surrealista contudo fatal se desenrole à nossa frente sem que a pobreza tática ou a beleza do jogo do adversário nela interfiram.
Não podemos contar que vamos ganhar isto, sei lá, com a ideia de futebol do FM, do Visão de Mercado, do Rui Malheiro, do Carlos Daniel, do Luís Freitas Lobo, percebem? Isto é a seleção, pá. Vamos limpar isto com o futebol do Sr. Carlos da tasca da Avenida de Paris.
Não queremos saber de basculações ou se os apoios estavam bem colocados (nunca percebi porque é que os comentadores especializados deste desporto se referem a “pés” como “apoios”, será que quando terminam uma relação foi porque a namorada lhes “deu com os apoios”?). Queremos saber quem é que vai mandar um pastel lá para dentro e a que horas, queremos saber quem é que vai tirar o golo dos outros em cima da linha por instinto, queremos saber quem é o gajo que vai dizer ao Suárez que a irmã dele anda metida com um paraguaio para que ele lhe crave os caninos e acabe expulso.
Portugal dificilmente jogará melhor do que isto e ainda bem. Um futebol rendilhado afastaria as pessoas que não sabem o que é que futebol rendilhado significa – e estamos a falar de uma fação numerosa do apoio à seleção. Foi assim há dois anos, será assim agora: Portugal pratica um futebol que deposita toda a confiança na falta de confiança. Quanto a nós, estarmos parcialmente convencidos de que os nossos voltam para casa já no sábado é o melhor que podemos fazer enquanto adeptos. Provavelmente, é da maneira que eles só regressam dia 16.
Recomendações:
A série The Good Place, na Netflix
O Portugal - Holanda de 2006, dos oitavos-de-final desse Mundial
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