Macron, com aquela marcha física magistralmente coreografada, sem recorrer a palavras ou slogans, passou uma outra mensagem: ainda está sozinho, precisa de uma maioria no parlamento para governar com a reforma política que promete. Aquela marcha foi o arranque da campanha para as eleições legislativas de 11 e 18 de junho. A escolha dos franceses ainda tem mais essas duas voltas, que vão redesenhar a paisagem política do país. A nova “aliança patriótica” que Le Pen anuncia vai repetir os imensos 11 milhões de eleitores e, desta vez, conseguir uma representação forte no parlamento? A extrema-direita vai encabeçar a oposição a Macron? O cenário ainda está incerto.
O sistema eleitoral francês tende a penalizar os extremos. No parlamento que agora vai ser substituído, a FN tinha apenas 2 dos 577 deputados. A análise da geografia eleitoral sugere que nas eleições de junho poderá chegar aos 15.
É bem possível que o governo de renovação que Macron vai anunciar daqui a uma semana consiga apoio confortável no futuro parlamento, talvez com pactos com a direita da esquerda e a esquerda da direita. Sobretudo os socialistas mas também os gaullistas vão enfrentar cisões. Os “insubmissos” de Mélenchon tendem a ultrapassar o estilhaçado PSF.
Macron vai evitar aparecer como chefe de tribo, vai procurar, com esgrima intelectual leal, a reconciliação do dividido campo democrático. Macron triunfa se em 2022 e nas eleições seguintes a frente de Le Pen não tiver tantos votos como teve agora. Para isso, precisa de tratar as feridas fundas que estão abertas no país e conseguir instalar confiança. É uma tarefa imensa.
Voltando aos símbolos. A escolha do lugar para a celebração de Macron na noite do triunfo também tem mensagens poderosas: junta a história e a cultura (o palácio do Louvre) com a modernidade (o cenário em fundo da pirâmide de vidro, que Mitterand encomendou).
Macron, tal como Mitterand, juntou o hino europeu ao hino da França no momento mais solene da celebração do triunfo.
Com Mitterand (ao lado de Kohl, também de Olof Palme e Felipe Gonzalez, entre outros) a Europa avançou, solidária. Agora, Macron apresenta-se como uma oportunidade que a França propõe à Europa. Mitterand, apesar de vários vícios e equívocos que alimentou, foi um estadista. Macron pode vir a revelar-se um estadista. É uma esperança de ímpeto para que a Europa recupere fôlego e tolerância e se reinvente.
Por agora, uma evidência: a vitória de Macron, o reformista audaz e otimista, está acima das previsões, mas, para ser completo, ainda faltam mais duas voltas eleitorais, em 9 e 16 de junho. Ainda há várias incertezas e reservas, mas já se sente um outro vento francês, que afasta o tanto pessimismo e o populismo indecente. Embora a ameaça continue por aí.
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