Aconteceu com Marta Temido aquilo que tem vindo a acontecer com certas alas hospitalares: demorou demasiado tempo a ser remodelada. No fundo, António Costa e Marta Temido estão a viver o típico divórcio de 2022: um casal que até parecia ter ficado mais próximo durante a pandemia, mas que se separa no pós-Covid por causa do desgaste da excessiva convivência. Agora, tal como o sucessor de António Costa, o sucessor de Marta Temido vai ser difícil de encontrar. É que o primeiro-ministro justificou ter aceitado a demissão de Temido com o argumento de que percebe "que alguém estabeleça como linha vermelha falecimentos nos serviços sobre a sua tutela". Ora, o próximo ministro da Saúde fica já a saber que tem a tarefa de gerir um SNS onde ninguém faleça. Em princípio, o Infarmed vai ter de se despachar na aprovação do elixir da vida.
Ao contrário do que acontecia com outros ministros, Marta Temido, apesar de amplamente criticada por vários setores, tem uma legião de fãs. Recordando um caso de alguém que se arrastou no governo, toda a gente sabia que Costa era o único fã de Eduardo Cabrita, até porque provavelmente o Cabrita teria conhecimento do OnlyFans do Costa. Mas Temido foi até apontada como candidata à liderança do PS, após o primeiro-ministro tê-la sequestrado para dentro do partido. Entretanto, a deterioração do SNS foi tal que, desde que António Costa entregou o cartão de militante a Marta Temido, inúmeros portugueses deverão ter ido buscar o cartão da Médis. O que é certo é que, a partir de hoje, há menos uma socialista à espera de que Costa vá de Erasmus. Sim, porque ir para um cargo na Europa é como ir de Erasmus para Budapeste: normalmente, é por recomendação de um amigo; dá para conhecer imensa gente; dorme-se muito pouco, mas quase toda a gente sai de lá a faturar.
Como no futebol, as mexidas no governo começaram com um rumor-bomba que não se concretizou — a demissão de Pedro Nuno Santos — e terminaram com uma saída que não surpreende ninguém — a da ministra da Saúde. Foi uma demissão mesmo no fecho do defeso, depois de meses em que o SNS já vinha estando particularmente ativo no que toca a transferências, sobretudo de grávidas entre hospitais. A pré-época corre sempre melhor a uns do que a outros, pelo que Marta Temido foi o Rúben Amorim da governação: triunfou num ano atípico quando ninguém dava nada por ela, foi posteriormente elevada a heroína e quase endeusada, para finalmente ser vítima da histórica falta de recursos da organização para a qual trabalha.
No acampamento da Juventude Socialista, os militantes mais petizes envergavam um hoodie com a frase, da autoria de Jorge Sampaio, "não há portugueses dispensáveis". Claramente, a asserção excluía Marta Temido. Já que o precedente foi aberto, eu faria um apelo: peço encarecidamente que as exceções a essa regra abranjam também o André Almeida.
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