Não tenho como objectivo com esta reflexão fazer uma análise sobre as políticas de saúde em Portugal. Porém, na medida em que assisto todos os dias a tentativas de tratar doentes, de salvar vidas e a necessidades prementes de se ser tratado e de se ser salvo em tempo útil, e às angústias que isso gera de ambos os lados, sinto ter alguma legitimidade para fazer uma reflexão sobre a área da saúde na óptica da intervenção das organizações não-governamentais.

A minha abordagem pode parecer algo simplista, mas por vezes, quando os problemas são demasiado grandes, tornando-se ingeríveis, a opção de olhar para um aspecto muito específico, como é o do contributo que as organizações não-governamentais podem dar para a área da saúde, poderá ser útil para ultrapassar algumas questões sem que isso implique um acréscimo na alocação de recursos em certos aspectos particulares da área da saúde, os quais poderão ser direccionados para outras áreas, uma vez que as carências são inúmeras.

A meu ver, a pressão sobre a saúde é cada vez maior, por razões demográficas, por um lado, e também como resultado do sucesso que se tem alcançado na cura de determinadas doenças ou na capacidade de transformar doenças mortais em doenças crónicas. Ou seja, o sistema é, em certa medida, vitima do seu próprio sucesso.

Ao dispor do sistema existem centenas de organizações não-governamentais na área da saúde que, não tendo todas elas uma grande capacidade de intervenção, podem fazer muito mais para melhorar a saúde em Portugal.

As organizações desta área dispõem de legislação adequada para a sua intervenção, no entanto, a prática continua a ser a de não serem chamadas para ajudar a definir soluções, apresentarem as suas sugestões, disponibilizarem recursos (materiais, humanos, de criatividade, de know how) que ajudem os profissionais, as instituições e os políticos a criarem serviços e circuitos que vão ao encontro das necessidades reais dos doentes.

Na maioria dos casos, a organização de doentes é chamada para colocar um penso rápido, ou para ser cumprida a formalidade de se dizer que foi ouvida, mas muito raramente intervém na fase de poder de facto, com todo o seu know how, ajudar a desenhar a política pública, a estruturar um serviço, a definir prioridades.

Claro que as organizações carecem de ser mais proactivas, de se organizarem melhor. Mas também sabemos que elas crescem na medida das responsabilidades que lhes são confiadas e muitas estão equipadas para poderem responder de forma adequada e em várias áreas de intervenção. Assim, e com bons exemplos de algumas parcerias efectivas na área, todas as demais, ainda não tão bem organizadas, perceberiam da necessidade de crescerem e se profissionalizarem para poderem desempenhar um papel mais relevante e mais activo ao serviço dos doentes.

Esta também é a forma mais organizada e produtiva de garantir o direito que todos os doentes têm, e que lhes está legalmente reconhecido, de participarem na definição das políticas de saúde, bem como nas diversas áreas da organização das mesmas. As associações de doentes garantem um conhecimento mais abrangente e organizado do que a participação individual e disponibilizam canais de comunicação com um razoável grau de profissionalização. Em simultâneo, garantem alguma objectividade na apresentação das questões e na resolução das mesmas, na medida em que nelas vigorará o princípio da democraticidade interna que leva a presumir a sua legitimidade representativa.

Com isto, não deve pretender-se que as organizações da sociedade civil se substituam ao papel fundamental que o Estado deverá ter, mas também se deve refutar o preconceito tantas vezes veiculado, umas vezes de forma mais aberta e outras de forma mais velada, de que o sector da saúde não deve ter uma ampla participação privada de organizações cujo único fim é o de melhorar a vida dos doentes que legitimamente representam.

Na maioria dos casos, os profissionais de saúde reconhecem a utilidade destas organizações, mas apenas na óptica da entidade mais ou menos generosa e bem-intencionada que pode ajudar a resolver algumas questões menores e pontuais. O que não dignifica as organizações, nem tão pouco ajuda a resolver as inúmeras e complexas questões que hoje em dia se colocam num sector que apresenta muitos sinais de ruptura em diversas áreas.

Para que este papel activo das associações de saúde possa ser assumido, há sobretudo que mudar mentalidades, as dos decisores e profissionais de saúde, por um lado, e a das associações por outro. Os primeiros têm de encarar as associações como entidades profissionais e organizadas, dotadas de conhecimento único e relevante. Os segundos têm de perder os complexos inerentes ao facto de pertencerem à economia social e dotando-se dos meios adequados a poderem fazer o trabalho que lhes compete em prol dos seus representados.

Sobre a Acreditar:

A Acreditar, Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro existe desde 1994. Presente em quatro núcleos regionais: Lisboa, Coimbra, Porto e Funchal, dá apoio a todos os ciclos da doença e desdobra-se nos planos emocional e social. Com a experiência de quem passou pelo mesmo, enfrenta com profissionalismo os desafios que o cancro infantil impõe a toda a família. Momentos difíceis tornam-se possíveis de viver quando nos unimos.