- Epá, a mim não me comem por parvo nesta. Isto eu não deixo passar.

- O quê?

- O Avante! Aquela palhaçada! Como é que é possível deixarem que aquilo aconteça?

- É verdade. Escandaloso, pá.

- Estes comunas, pá. Fazem o que querem.

- Pois fazem. Tudo em casa e eles fazem aquilo.

- É mesmo à comuna. E ninguém fala nisto!

- Ninguém.

- Quer dizer, tem aberto um ou outro noticiário.

- Sim.

- Um ou outro comentador tem falado.

- Poucos.

- Poucos, claro. Ninguém critica os comunas.

- Como se algum partido pudesse fazer o que eles fazem.

- É. O pior nem são os comunas. São os que simpatizam com eles. Que desculpam.

- Claro. Esses são os piores.

- Estão a ver algum outro partido a fazer uma reentré destas?

- Não, claro que não. Quer dizer, o Chega fez uma espécie de festa.

- Epá, vamos lá a ver.

- Sim, não estou a dizer que é a mesma coisa.

- Um encontro, vá. No Algarve.

- É, Quinta do Lago. Uma coisa como deve ser. Tudo segundo as normas, acho.

- Parece que sim. Mas é com estas do Avante que o Chega ganha votos!

- Ora, agora é que disseste tudo.

- Não que eu não votasse neles.

- Também não digo que não.

- Também não digo que sim.

- Sim, nem que sim, nem que não.

- Há coisas que ele diz que realmente.

- Sim, não deixa de ter razão em algumas coisas.

- Tem, tem.

- Duas ou três coisas.

- Mais, mais.

- Capaz. Não sei se votava ou não.

- Simpatizas.

- Simpatizo.

- Simpatizamos. Mas isto do Avante é que sinceramente.

- São uns irresponsáveis.

- É que tu sabes como é que eu sou, isto está a deixar-me nervoso. Fico logo nervosinho com estas merdas.

- Bem sei.

- Estava de férias e nem ligava a televisão só para não pensar nisso.

- E que bem que fizeste.

- Até porque ninguém fala nisso.

- Ninguém. E foste de férias para onde?

- Algarve.

- Ah, muito bem!

- Alugámos uma casa. Centro de Albufeira, a minha mulher e um casal amigo. E os putos, claro.

- Casal amigo?

- Não conheces, vieram de Londres. Estão lá emigrados. Ele conduz autocarros e ela serve num restaurante português. Mas malta com cuidados.

- Pois, férias este ano, já se sabe. É mais por casa.

- É, mais ou menos. Não fui tanto à praia como no ano passado.

- Pois.

- Uma vez.

- É chato.

- Por dia. Antes ia de manhã e de tarde.

- É, é diferente.

- Estava era sempre a jantar fora. A casa tinha placa vitrocerâmica e eu não me dou bem.

- Ah, mas esplanadas é tranquilo.

- Com este calor? Ficava sempre lá dentro a levar com ar condicionado. E uma pessoa precisa de comer bem. Caso contrário não somos nada.

- É justo. Desde que não estejam 20 ou 30 macacos lá dentro.

- Não! Isso foi só nos anos do Júlio.

- Júlio?

- O meu cunhado. Fez 50 e alugou um barco. 50 anos é uma data que não se deixa passar.

- É, mas isso é família próxima, não há perigo. Quê, dez, quinze pessoas?

- Não, 50. 50 anos, 50 convidados. Mas é num barco.

- Barco é no mar. O mar é ao ar livre.

- Sim, o mar é imenso.

- Muitos metros quadrados de espaço.

- Mais do que o Avante.

- Muito mais.

- Pôs-se é frio a certa altura, comecei a espirrar.

- Ah, isso no mar é preciso ir agasalhado.

- Pois. Fiquei aí uns dias meio apanhado. Mas não eram os sintomas que...

- Não, não. Espirros não é.

- Pois. Temperatura acho que não tive.

- Exacto, é o que importa.

- Também desde que é difícil encontrar termómetros a sério...

- Dos de mercúrio.

- Nunca mais tive.

- Tiram-nos tudo.

- Mas com isto do resfriado quase que não podia seguir para cima.

- Para casa?

- Não, para Fátima. A minha mulher tinha prometido aos meus sogros ir lá àquilo.

- A procissão do Adeus.

- Exacto. E eu também queria ir. Sou um homem de fé.

- Também eu. Deve ter sido giro.

- Foi, pá. Gente de todo o mundo e tal. Estes tempos, pá. Uma pessoa tem de se agarrar a alguma coisa.

- A quem o dizes.

- Sei lá se isto não fecha tudo e não perco o emprego para o mês que vem.

- Ah, pois.

- Quem é que me pode ajudar nisso? Os comunas?

- Por amor de Deus.

- O Avante, pá, como é que é possível.

- Querem morrer e levar a gente com eles.

- Eu nem me sinto seguro aqui em Lisboa, perto daquela merda.

- Se pudesse, saía.

- É o que eu acho que vou fazer. Aproveito e desço outra vez lá para baixo, para Faro.

- Olha, bela ideia. Agora é que deve estar bom.

- É, tem lá o festival F, ou o que é. A minha filha gosta muito da, como é que ela se chama... Deslandes. Assim vemos lá o concerto em paz.

- Longe do Avante.

- Longe dessa gente.

- Não têm emenda.

- Pensam pela cabeça dos outros.

- É tudo formatado, tudo formatado.

- Devia haver mais gente como eu e tu. A pensar por si.

- Pois havia.

- Porra, já não tenho é cigarros.

- Paramos aqui na bomba.

- Não tenho é máscara. Emprestas-me a tua?

- Está aí no porta-luvas, pega.

- Isto é que é ser camarada.

- Eles sabem lá.

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