Existe uma espécie de processo de assunção de hipocrisia em curso quanto ao caso da violação de Ronaldo. Não só a associação Capazes resolveu ter um acesso de ponderação e de reservar para Ronaldo a presunção de inocência que sonega a outros acusados de crimes sexuais, como uma série de vultos veio elitesplain (uma versão do mansplaining, mas quando vem de crónicas de pedantes crónicas) o que todos deveríamos julgar sobre o caso e sobre a mulher que acusa o jogador.

Dignas de uma declaração do recém-vencedor da primeira volta das eleições brasileiras, Jair Bolsonaro, foram as considerações de Maria do Céu Santo, anteriormente apenas ginecologista de Judite de Sousa, agora parceira de escrita num livro redigido a quatro mãos. Na Grande Entrevista que ambas concederam a Vítor Gonçalves, Santo teoriza que “os homens têm de facto picos de testosterona. Não estou a defendê-los (...) mas se a pessoa tem um decote até ao umbigo, uma racha até cá acima... e o outro não faz amor há não sei quanto tempo, o que é que a pessoa está a fazer senão assédio sobre o homem que tem na frente?”.

Portanto, para o par de mãos mais intrusivo das quatro que redigem o livro, caberá à mulher perguntar ao homem, “olhe, desculpe, há quanto tempo é que o senhor não copula?”. Somente dessa forma aferirá se é aconselhável que apresente um decote. Se for há três dias, podem ir em frente que o gajo está aliviado. Se já tiverem passado seis meses desde a última consecução do coito do supracitado macho, o melhor é mentalizar-se de que a violação é não menos do que um direito dele.

Judite de Sousa e Maria do Céu Santo assinam um livro, que talvez se torne num dos mais vendidos do Natal, sobre amor e sexualidade. O livro, intitulado “Não me olhes com esse tom de voz”, tem no seu título uma bonita hipálage sinestésica. No seu interior, no entanto, parece-me estilísticamente mais pobre. “Numa relação, é muito importante saber manter a individualidade. Quando se vai viver com alguém, não devemos violar os nossos princípios e gostos”, pode ler-se. Princípios e gostos não devem ser estuprados – quanto aos ânus, depende da indumentária.

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