Declaração de interesses: Não sou médico. Não sou virologista, epidemiologista ou pneumologista. Sou um simples cidadão que pratica desporto desde os 4 anos (tenho 49). Sou treinador. E pai de filhos que praticam desporto. Desporto nos escalões de formação. Porque, na minha ótica (já era assim na cabeça do pai, que me incutiu a disciplina), o desporto faz parte, obrigatória, da sua formação. Do carácter e do lado cívico. Para além do habitual, faz bem à saúde.

Como disse, sou um mero treinador de uma modalidade que é considerada de alto risco: o râguebi. Tenho, por acaso, um filho que inicia o último ciclo de formação (primeiro ano de sub-18). Outro, que esperava inscrever para dar os primeiros passos na mesma modalidade (depois de dois anos de tentativas), ia intermediar o raguêbi com o judo que já pratica. Tenho uma filha na ginástica e outra ainda que, depois da natação e ginástica, procura encontrar algo que se adapte às suas características, e que, de certeza, teria uma modalidade a acolhê-la, mas que agora pergunta: “Pai, posso fazer...?”

Quatros filhos que fazem desporto, desde pequenos, mas não porque sim. Fazem-no por razões de saúde, sim, mas essencialmente por razões formativas de carácter, como disse. Por razões cívicas. Para serem melhores pessoas.

Saio, por razões óbvias, do meu casulo de formação — râguebi — que, face ao documento apresentado pela DGS, muito dificilmente, a nível sénior, terá capacidade para cumprir o agora pedido: testagem a todos os intervenientes 48 horas antes da competição. O mesmo se aplicará a outras modalidades.

Dirijo as minhas palavras e preocupações para o desporto de formação. A todos os desportos, do menor ao mais alto risco.

É um grito de alerta para os milhares de clubes cujas receitas e sobrevivência dependem dos jovens. Cujos desportistas, num processo de pirâmide, alimentam o desporto português. Que disputam as competições nacionais e internacionais. Que, muitos deles, representam o país a nível de seleções. O nosso país.

Um país, de acordo com os dados da Pordata de 2018, que tem 391,051 atletas a praticarem desporto. E juniores são 48,757. Poderiam ser mais, muitos mais, se existisse uma política que fomentasse o desporto e não o colasse como ocupação de tempos livres. A começar pelo Desporto Escolar que, já agora, também pretendem liquidar a reboque da Covid-19.

Sim, senhora ministra da Saúde, Marta Temido, e senhora diretora da Direção-Geral da Saúde, Graça Freitas. O país é muito mais que três equipas de futebol profissional e uma seleção.

O que agora apresentam, seja baseado em alguma orientação científica, lapso ou desconhecimento, ou simplesmente porque sim, altera os termos que a resolução do Conselho de Ministros de 30/07/2020 antecipava.

Com este documento há um tecido social que desaparece. Atletas que deixam de vestir os equipamentos. Associações desportivas que começam a definhar. Que podem fechar portas. Pavilhões, centros de alto rendimento, campos municipais — tudo investimento público, dinheiro do erário público, financiado pelos impostos dos contribuintes — que perdem a razão da edificação. “Aqui, neste local, jogou-se râguebi”, antecipo a inscrição.

Com este documento limitam fortemente a retoma da atividade do desporto de formação em Portugal. Diria mais. Matam o desporto. O medo venceu. A Covid-19 ganhou.

Marta Temido e Graça Freitas. Desconheço, se na vossa árvore genealógica há praticantes, jovens, de desporto. Ou se, nas respetivas casas, fomentaram ou fomentam a prática desportiva.

Cabe, nas vossas pastas, lutar, entre outras lutas, contra a obesidade e o sedentarismo, como sabem. Por razões de saúde. Com esta medida dão um passo (de gigante) em sentido contrário. Estão a abrir as portas aos jovens, para ficarem em casa, a jogarem consolas ou com os olhos nos "tik-toks". Estão a hipotecar uma geração. Ou duas.

Resta-me um pedido para tentar atenuar a enorme frustração que me assola. Repensem tudo o que escreveram. Voltem atrás. Ainda vão a tempo de falar com as pessoas do desporto.

Termino, agradecendo o tempo que os vossos assessores possam dispensar a esta leitura. Não imaginaria a minha vida sem o desporto. Nem a vida que agora os meus quatro filhos começam a construir. Pela saúde, minha e deles, e por tudo o que retirei para a minha vida do desporto. Que é algo que não vem retratado em documentos. Está cá dentro.