Este ano tem sido repleto de rescisões de contrato inesperadas: jogadores do Sporting que rescindiram unilateralmente; DJ Avicii que rescindiu com a vida; e, agora, Cristina Ferreira que rescindiu com a TVI e protagonizou a transferência mais mediática neste mercado de verão. A SIC, com a nova direção de Daniel Oliveira, perguntou à Cristina o que os olhos dela diziam e ela respondeu que diziam apreciar um contrato de 80 mil euros mensais. Abriram-se os cordões da bolsa e a Tininha rumou a Carnaxide. Dizem que tal como na transferência de Cristiano Ronaldo, também esta já se pagou a ela própria, mas neste caso em vez de ser com camisolas, foi com vestidos da marca de roupa da Cristina. Diz-se, também, que foi a primeira vez que foi uma mulher a deixar o Goucha.
Nem escreveria sobre este assunto não fosse o facto de ver publicações de muita gente a dizer “Uma empregada de limpeza ganha 600 euros mensais e uma apresentadora de televisão ganha 80 mil. É por isto que Portugal está como está”. Percebo de onde vem este tipo de pensamento, mas se fizermos as contas, a Cristina Ferreira vai ganhar – admitindo um horário de 40 horas semanais – cerca de 480 euros à hora. Quando estamos à procura de uma empregada doméstica, se ela pede mais do que 7 euros nós já achamos muito caro. Portugal está como está porque quando é connosco mudamos rapidamente de opinião. Não sejam invejosos, já viram quanto ela vai ter de pagar de IRS? Mais de 40 mil por mês vão diretos para os cofres do Estado. Ufa, ainda bem que não sou eu. Vamos ter de trabalhar até aos setentas e a Cristina, como mulher bonita do mundo da televisão que é, tem uma carreira com a longevidade de um jogador de futebol e lá para os cinquentas é trocada por alguém mais novo.
Percebo, até certo ponto, a revolta das pessoas contra quem ganha mais do que elas e que, aparentemente, faz algo simples e sem valor direto para a sociedade como apresentar programas ou jogar futebol. Percebo, é chato que alguém que aparenta só ter de parecer bonito e falar para a câmara ganhar muito mais do que um professor primário que tem a responsabilidade de educar e formar boas pessoas. Mas o meio onde os primeiros se movem gera o dinheiro que permite pagar-lhes isso. Infelizmente, o da educação não tem patrocínios e marcas a esbanjar milhões. Talvez no dia em que haja uma Escola C+S com branding, tipo Escola Coca-Cola + Sagres, possamos ter professores a receber o que merecem. Assim de repente, a escola onde andei, Escola N.º 1 da Buraca, podia ser patrocinada pela Durex ou Control. Com os enfermeiros e médicos do SNS existe o mesmo problema e talvez não fosse mal pensado renomear o Hospital de Santa Maria para Hospital de São Marlboro. Fica no ar para quem manda nessas coisas.
Os valores envolvidos na transferência da Cristina Ferreira mostram que a televisão ainda está viva e que ainda tem poder, especialmente no público para o qual ela fala que são as típicas senhoras de idade que veem os programas da manhã e as novelas. Nada contra, toda a gente precisa de ser entretida e essas ainda mais até porque não sabem mexer na Internet. Não sou consumidor de Cristina Ferreira, não porque ache que faz mal à saúde, mas porque não sou o público-alvo dos programas que ela fazia na TVI e não sou o target das marcas que ela tem. Mas aprecio pessoas que vieram do nada e criaram tudo. Num país e mundo nepotista, quem veio de fora e conseguiu chegar onde outros, com todas as facilidades e cunhas, não conseguiram, tem o meu apreço, goste ou não do conteúdo que cria.
A Cristina Ferreira não é uma pessoa, é uma marca. Uma empresa unipessoal que gera muito dinheiro e, se virmos por esse prisma, há startups que recebem milhões e nunca dão lucro, por isso acho que o dinheiro que ela vai ganhar até pode ser pouco. Isto funciona assim: quanto maiores as audiências, maior a receita em publicidade. Logo, se a Cristina Ferreira dá mais audiência, compensa. É o mercado a funcionar, mas há quem ache que os jogadores de futebol ganham o dinheiro que ganham porque se materializa do ar. No entanto, apesar de achar justo, receio que o ordenado da Cristina venha prejudicar a luta pela igualdade salarial entre homens e mulheres, pois duvido que haja 80 mil euros mensais para pagar ao José Figueiras.
Agora, resta saber o que a Cristina vai apresentar na SIC: se se manterá como apresentadora do day time ou se, finalmente, vão assumir que os noticiários de hoje são mais entretenimento do que informação e colocá-la como pivot.
Sugestões e dicas de vida completamente imparciais:
Uma cidade: Punta Umbria, em Espanha, não vale a pena visitarem.
Um filme: Misery
Uma série: Falta de Chá – rever a primeira temporada que a segunda está quase a estrear.
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