Escritores, vamos lá ver uma coisa. Não estarão a esticar a corda? É que às tantas parece que estão a criar um filão deste tema, capitalizando aquele que foi um local de extermínio de seres humanos, mercantilizando a dor de milhões de pessoas e um dos mais negros episódios da humanidade dos últimos séculos. E isso seria de bastante mau tom e não quero crer que é o caso. Ou se calhar eu estou a ver isto mal e até faz todo o sentido.

A verdade é que passamos em qualquer livraria por estes dias, e lá estão na montra pelo menos dois ou três romances destes. Nem sequer são testemunhos ou relatos históricos, são histórias inventadas. Claro que fiquei espantadíssimo quando vi que o José Rodrigues dos Santos, o nosso escritor que devia ter recebido o Nobel em vez do Saramago e que o merece muito mais do que o Lobo Antunes, também ia lançar um livro sobre o tema. Desta feita, o Mágico de Auschwitz. Ele olhou para os outros todos que já havia e pensou “bem, como é que também vou conseguir encher os bolsos a fingir que me preocupo com o antissemitismo? Ah, falta aqui um mágico, é mesmo isso! Já estou a ver… o mágico que – plot twist! – afinal é nazi e faz desaparecer judeus. Vai ficar lindo. Sou um génio.”. Até aqui tudo bem.

Contudo, o que mais estranhei foi quando fui ver como é que se chamava o do Dan Brown. Achava eu que seria algo como “O Código de Auschwitz” ou “Judes & Nazis de Auschwitz”. Para me espanto, Dan Brown não escreveu nada, o que faz com que deva ser o primeiro livro que o JRS tem de escrever de raiz e não tem por onde copiar. E assim sendo, até lhe se perdoa que seja o octogésimo sétimo escritor a lançar um romance sobre Auschwitz este mês.

Mais alegre fiquei quando vi, através de um post do Pedro Vieira, que o lançamento do livro ia ter o Luís de Matos (porque mágico), um momento musical de cantos judaicos (porque Auschwitz) e ainda um momento teatral de uma das passagens do livro (porque… enfim, porque José Rodrigues dos Santos). Como só escrever mais um livro sobre isso não era capitalizar o suficiente para benefício unicamente do próprio, nada como fazer todo um espectáculo que será muito mais em honra do génio do autor do que qualquer outra coisa. No pico do capitalismo selvagem, não há absolutamente nada que não seja vendável. Muito menos a dignidade. Têm razão. Que se lixe o sofrimento alheio, faça-se dinheiro com isso.

Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:

- Caim: diverti-me muito esta semana a ler esta maravilha de Saramago.

- The Comey Rule: série HBO sobre o ex-director da FBI e Trump. Vale a pena.