Hoje acordei pensando que Luciano Huck [apresentador do programa brasileiro "Caldeirão do Huck"] poderia ter sido eleito o novo presidente do Brasil. Foi a ele que Paulo Guedes [consultor de campanha de Jair Bolsonaro e apontado como futuro ministro da Economia do Brasil] recorreu em primeiro lugar, sobraçando os cruzamentos estatísticos e comportamentais que sinalizavam as elevadas chances de uma candidatura disruptiva.

O apresentador esteve bem perto de morder o isco e, como os factos hoje demonstram, o economista estava correto quando lhe colocou à mesa a possibilidade. Além disso, Huck nunca escondera o desejo de ajudar, um eufemismo comum nessas lides para se dizer acionável quando o momento chegasse. Os partidos de centro tremeram. Mais ainda as agremiações populistas, que sabem o poder de fogo das figuras mediáticas. Até o presidente eleito Bolsonaro estava ciente de que com Huck no páreo, as suas chances se esfumavam. Mas então Huck e Angélica decidiram sopesar a decisão à luz do orçamento familiar. E de volta de uma reunião com a família Marinho, ele declinou da distinção.

Ora, na concepção de Huck, ser Presidente da República acarretaria um preço que ele não estava disposto a pagar. Guedes ainda poderá ter tocado, calculo, uma corda sensível "Se você e seus familiares sobreviveram a um acidente aéreo, rapaz, é porque alguém lá do alto tinha planos para você. Leia o destino". Mas não teve jeito. Aceitar o desafio implicaria explicar-se sobre amizades, ter a vida privada devassada e, sobretudo, afastar-se dos negócios, que ainda precisavam de sua presença e monitoramento. Dito de outra forma, algumas centenas de milhões de reais ainda não bastavam para que se sentisse confortável para fechar a loja. Além do que, queria tempo para a partida de ténis com o filho, ritual sagrado dos sábados.

Não tardou muito para que Guedes e Bolsonaro se encontrassem e o resto da história hoje é bem conhecido [o capitão na reserva Jair Bolsonaro, eleito este domingo, 28 de outubro, sucede a Michel Temer como 38.º Presidente da República Federativa do Brasil]. Não perco tempo conjecturando como Huck passou a noite do último domingo, mas imagino que deva ter tido insônia.

Longe de ser o quadro sonhado pelos eleitores de minha geração, certo é que Huck falhou em discernir a brecha que o levaria ao grande destino. Ao invés de entreter pagodeiros e segurar a audiência dos sábados, o Brasil teria um rapaz articulado e bem pensante nos grupos mais seletos do mundo. De Davos ao G20, não lhe faltariam cenários palpitantes para irradiar carisma. E até "Vou de Táxi", a cançãozinha que catapultou Angélica, sua esposa, para o estrelato, seria traduzida em dezenas de línguas, a exemplo do sucedido ao repertório de Carla Bruni, ex-mulher do ex-presidente Nicolás Sarzoky.

Sem querer desmerecer suas prioridades - estribadas na poupança e na relação com a família -, há de se louvar a democracia. Nas diabruras próprias da alternância de poder, a seta pode apontar na direção certa, mas contra a tibieza humana, ela nada pode fazer. E, diante do assento vazio, vem alguém e senta. Pena que a causa do Brasil tenha se configurado negócio menor no portfólio do casal.

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