Centenas de milhar de casas ucranianas onde continua a viver gente perderam as condições mínimas para que se possa viver lá. Aos vidros quebrados em todas e muitos tetos abatidos pelos bombardeamentos, junta-se a campanha russa de corte de energia — eletricidade e aquecimento. O inverno anuncia-se como inferno. É preciso que a escalada da guerra neste oitavo mês leve à contra escalada e ao cessar-fogo.

Em 1 de setembro de 1939, a Alemanha de Hitler invadiu a Polónia e desencadeou a II Grande Guerra. Em abril de 40, as tropas nazis ocuparam a Dinamarca e a Noruega. Logo no mês seguinte, foi o Benelux, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Em 17 de junho de 1940, o marechal Pétain rendeu-se e a França ficou dividida em duas metades: a parte norte, incluindo Paris, ficou ocupada pelas tropas alemãs. Ao longo do verão de 40, a Itália de Mussolini — em aliança com Hitler — entrou pela França mediterrânica e também invadiu a Grécia e o Egito (então sob soberania colonial britânica). Em abril de 41, alemães e italianos ocuparam a Jugoslávia. A partir de 21 de junho de 41 a Alemanha ousou entrar pela União Soviética. Ainda em 1941, em 7 de dezembro, o Japão — alinhado com a Alemanha de Hitler — causou o “Dia da Infâmia” ao atacar Pearl Harbor; horas depois, os EUA declararam guerra ao Japão e a América passou a estar como combatente na II Grande Guerra Mundial.

A resistência militar a Hitler passou a ser robusta. Os bombardeamentos britânicos a Colónia, em maio de 42, com grande destruição nesta cidade alemã marcaram o início de uma nova fase da guerra.

Em novembro de 42, o esforço de guerra dos Estados Unidos no conflito era enorme. Mas numa reunião do presidente Roosevelt com conselheiros houve quem comentasse: “A lição da história é a de que as guerras só terminam pela negociação. Esta guerra já durou demasiado tempo. É preciso tratar de negociar com o Sr. Hitler. É hora de dar à diplomacia uma hipótese para funcionar. Precisamos de uma solução que permita que ambos os lados saiam com alguma coisa”.

A II Grande Guerra ainda teria mais 34 meses de devastação, até acabar, em 1945 — os alemães renderam-se em maio e os japoneses em setembro.

Os atuais oito meses de guerra desencadeada pela invasão russa da Ucrânia já são demasiado tempo de muito sofrimento.

Não podemos continuar espetadores passivos da escalada do sofrimento, das mortes e da devastação na Ucrânia. O dever de ajudar a Ucrânia está a prolongar o martírio dos ucranianos — embora a permitir-lhes resistir ao agressor.

Estamos numa fase em que se sente estar a crescer o risco de a guerra ficar fora de controlo.

Estamos numa fase em que as consequências comerciais do rompimento da ordem internacional está a levar centenas de milhões de pessoas, famílias e empresas a sofrerem os efeitos do caro custo de vida e dezenas de países estão ameaçados pela recessão — até mesmo a China, até agora fora da guerra.

Estamos, e isto é o principal, numa fase em que o número de mortos e feridos aumenta diariamente, nos dois lados do confronto.

Tanto o discurso como a prática das partes em confronto, com crescendo de ameaças, deslegitimação de interlocutores e recusa de qualquer aproximação aos pontos de vista do adversário, limitam o espaço para a negociação.

Mas há qualquer coisa. A ONU e a Turquia de Erdogan já conseguiram o acordo para escoamento de alimentos.

Percebe-se que a Ucrânia deseje afastar qualquer negociação com os russos quando estes estão a anexar parte do território do país.

As partes, de facto, não estão em posição simétrica:

  • A Ucrânia está a ser agredida pela Rússia;
  • A Ucrânia está do lado justo neste conflito.

Qualquer negociação não pode partir da equivalência entre agredido (Ucrânia) e agressor (Rússia).

A negociação diplomática tem de partir da inequívoca responsabilização do Kremlin de Putin.

A negociação também não pode aceitar a legitimação da mutilação russa de territórios da Ucrânia. A soberania da Ucrânia sobre esses territórios é inquestionável.

O objetivo da negociação urgente é evitar que a atual tragédia evolua para uma calamidade mais ampla e mais devastadora.

Se for conseguido de ambas as partes o congelamento do confronto, portanto a paragem no recurso às armas, fica alcançada uma trégua que dá espaço para ser explorada alguma solução política.

A China é uma potência que pode juntar-se de modo poderoso aos esforços que a ONU e a Turquia já têm tentado. A Índia e a Santa Sé são outros possíveis mediadores pela comunidade internacional.

O essencial é evitar que todas as partes continuem expostas à atual violência. Também é preciso evitar que países como a Arábia Saudita do sinistro Mohamed bin Salman possam continuar a fazer chantagem sobre o mundo por terem a mão na torneira do petróleo. Biden, em lastimável erro de avaliação, apertou a mão a Salman. Mas este traiu Biden e juntou-se a Putin no golpe de redução da produção diária de petróleo que assim faz subir o preço.

É preciso evitar que o relacionamento internacional continue nesta escalada hostil.

É assim que, neste 2022, será preciso seguir a recomendação daquele conselheiro de Roosevelt há 80 anos: “É preciso tratar de negociar com o Sr. Hitler”. É escusado dizer quem agora faz de Hitler.