A ideia é surreal, mas deriva daquilo a que Gospodinov chama de “défice do futuro”: o sentimento prevalecente na Europa actual (e em outras partes do mundo) de que as perspectivas são tão negras, que as pessoas preferiam fazer uma viagem retrospectiva para tempos melhores. A pergunta seria: qual o período da História que gostaria que voltasse? 

Há quatro anos, Gospodinov escreveu um romance, “Time Shelter” (“Abrigo contra o Tempo”), agora na lista para o prestigiado Booker Price de 2003, cuja trama explora a ideia da nostalgia que se apoderou dos cidadãos, confrontados com estes tempos difíceis. Como agora tudo parece mau - poluição, guerra, inflação, estagnação política e económica, ameaças terroristas, radicalismo, exclusão, - onde achamos que está o antigamente que era bom?

A resposta varia de país para país, evidentemente. Aliás, o escritor fala no assunto, num artigo no The Guardian,  a propósito a invasão da Ucrânia pela Federação Russa. Segundo ele, o que Putin pretende não é que a guerra acabe, mas sim que se eternize, fazendo voltar a Rússia permanentemente para os “tempos felizes” da década de 1940, quando a União Soviética era um império poderoso e cheio de orgulho pelas suas realizações. Como escreve, “a última época em que os russos tiveram o reconhecimento de um mundo preparado para esquecer Estaline, os gulagues, o Holodomor e as crueldades do sistema soviético”.

Este exercício é puramente retórico, contudo, alguns dirigentes - como é o caso de Putin, precisamente - estão a fazer esforços para convencer os seus governados de que os podem levar de vez para a época supostamente gloriosa dos seus países. Uma recriação populista do nacionalismo, diz Gospodinov, e concordo eu. O “supostamente”, aqui é importante; temos tendência para ver o passado a uma luz muito mais favorável do que ele foi. Sobretudo quando o presente é desgastante e o futuro pouco promete.

Foi o que Trump fez, e quer continuar a fazer, com o seu slogan MAGA, Make America Great Again (“Faça a América Novamente Grande”). Voltar o país para a “gloriosa” década de 1950, quando mandava no mundo e assistia a uma extraordinária melhoria do nível de vida em casa. Claro que também foi um tempo de racismo declarado e desigualdades sociais violentas, mas isso convém esquecer.

Então, numa divagação de pura perversidade, podemos imaginar como é que votariam alguns países. Os ingleses, por exemplo, provavelmente escolheriam os magníficos tempos da Rainha Vitória, quando o Império não via o Sol pôr-se e o engenho da Revolução Industrial lhes dava superioridade técnica e prestígio cultural. O outro lado da moeda - ou seja, a miséria da classe operária, a vida agreste dos soldados que mantinham os colonizados na linha, a escravatura -, isso não é para lembrar.

E os franceses? Talvez a época de Napoleão, quando mandavam na Europa? Afinal de contas, mesmo o Imperador tendo pervertido completamente os ideais da Revolução Francesa e destruído o continente, tem um túmulo magnífico nos Inválidos, como se fosse um Deus do Olimpo. Hitler fez o mesmo, século e meio depois, e não ficou assim tão bem na História... Não, talvez preferissem o final do século XIX, quando Paris era o centro do mundo intelectual, artístico e recreativo, e o francês o idioma diplomático e de bom tom. 

Quanto aos alemães, e esta é a opinião de Gospodinov, seria o final da década de 1980, quando se reunificaram e voltaram a acreditar que eram um país eficiente, mas também compassivo e igualitário. 

Os italianos provavelmente escolheriam a década de 1960, desafogada, criativa e despreocupada. O progresso no nível de vida tão visível como o cinema avant-garde e a moda chique. Será? Não sou italiano, não posso saber. Aliás, aqui está uma conversa interessante para ter com os nossos amigos de diferentes nacionalidades e saber quais as suas fantasias - ou fantasmas...

Também há aqueles países dos quais não fazemos ideia. Os espanhóis, mesmo aqui ao lado, escolheriam, como os portugueses, provavelmente, a época das Descobertas? Duvido, tanto para eles como para nós. Eu, que sou português, nem sequer imagino o que nós votaríamos. Receio que muitos escolheriam a década de 1960, quando ficámos em terceiro lugar no Mundial de Futebol. 

Então e a repressão nas universidades e a Guerra Colonial, que são da mesma década? É pá, não me venham chatear com essas efemérides em vias de esquecimento. Já me chateia suficientemente o presente, e preocupa-me bué o futuro.

Pois é, hoje, mais do que antigamente, o antigamente é que era bom.