São também muitas as pessoas que cresceram acreditando que a sua diferença seria um problema, escondendo-a. Essa diferença não é uma diferença, apenas uma característica, porque se convencionou que existe um padrão de normalidade em relação à sexualidade, baseada na atracção entre um homem e uma mulher. A sexualidade faz parte da vida de cada um de nós, compreendendo os direitos sexuais que garantem que cada um possa viver a sua vida sexual livre de discriminação. Fui, por isso, verificar o que se passa em relação ao sexo, identidade, expressão de género e orientação sexual para perceber que, afinal, há coisas que não mudam.
Sexualidade e reprodução sexual (bem como os direitos que lhes estão consagrados) não são sinónimos e, se recuarmos no tempo, iremos encontrar uma sociedade na qual os conceitos de hetero ou homossexual não existiam. É nessa sociedade que encontramos, também, as bases da democracia moderna: na Grécia Antiga existiam pessoas que mostravam maior interesse por pessoas do mesmo sexo. Recordemos Zeus, os deuses da mitologia Grega ou figuras como Alexandre o Grande porque, apesar dessa sociedade se basear no princípio da desigualdade, pois nem todas as pessoas tinham os mesmos direitos, a nível sexual, a atracção entre pessoas do mesmo sexo era considerada uma preferência. O Império Romano, através do Código Justiniano, proclamou a intolerância sexual, refinada pela moral cristã e os padrões que a Igreja impôs em toda a Europa. Mais tarde, o desenvolvimento da medicina generalizou a ideia de que a sexualidade é inata, popularizando igualmente outra, de que a homossexualidade poderia ser evitada, impedindo a masturbação na infância e reabilitando os adultos. Os movimentos liberais, no século XX, redefiniram as nossas ideias de sexo, sexualidade e papeis sociais, tornando insustentáveis alguns argumentos contra a homossexualidade. A Associação Norte-Americana de Psicologia eliminou a homossexualidade da lista de doenças mentais e, em 1990, a Organização Mundial de Saúde retirou-a da classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados com a saúde. Caros homofóbicos, a medicina vence. Homossexualidade é opção, não doença.
Sexo é fácil. É orgânico, animal, faz parte da nossa biologia. Difícil são os sentimentos e as definições. Estamos em fase de (re)descoberta das nossas identidades sociais e sexuais, contrariando algumas determinações que nos apresentaram como certas. A intersexualidade apresenta-se como uma terceira opção, entre as múltiplas que podem existir. Legalmente dão-se os primeiros passos em direcção a essa “outra” opção para quem não se define biologicamente como homem ou mulher mas, também, para quem essa definição não se limita aos seus órgãos genitais.
O que é ser homem ou mulher nos dias de hoje, independentemente do binómio que a biologia define ou da orientação sexual? Os papeis sexuais foram substituídos por identidades de género, independentes do nosso sexo ou orientação sexual, razão pela qual tem crescido o número de pessoas que questiona essa dualidade, afirmando-se sem género, contestando restrições sexuais e, principalmente, o conservadorismo bíblico de alguma ciência.
Há demasiadas designações para aquilo que somos, queremos ser ou para o que nos querem fazer acreditar que somos: ser bissexual, como o nome indica, significa, em linguagem popular, que dá para os dois lados. Na verdade, é alguém para quem as definições de género são meras limitações e que pode sentir atracção por ambos os sexos, independentemente de ter experiências sexuais com homens e (ou) mulheres. Um dos acrónimos mais em voga, LGBT junta lésbicas, gays, bissexuais e transexuais enquanto, no mundo real, muitos são conotados com o sair do armário, referindo-se àqueles cuja orientação sexual não é heterossexual (interesse pelo sexo oposto). Outras definições serão necessárias para aquilo que, por definição, é difícil sentir e experienciar, quanto mais descrever. Há quem se considere asexual e há, também, os que negam o romantismo, bem como os que se negam a si próprios, não admitindo qualquer conotação por receio de retaliação familiar ou social, ao mesmo tempo que outros assumem a sua curiosidade e processo de descoberta, sem o preconceito associado à homossexualidade. Há também o poliamor, pessoas que se envolvem com vários parceiros, num tipo de relação aberta em que se assume, de forma consensual, que o amor é para partilhar.
De acordo com a opinião das mais de 100 pessoas que questionei sobre a sua sexualidade, Portugal é um país medianamente preconceituoso. Contudo, estas mesmas pessoas usam expressões homofóbicas para se definirem sexualmente, que encontrei repetidas na questão seguinte, quando lhes perguntei que tipo de expressão ofensiva já tinham ouvido em relação à sua sexualidade. O olhar do outro confunde-se com o olhar sobre si próprio, provando o peso que a sociedade ainda tem sobre a nossa identidade. Foram principalmente bissexuais, gays e lésbicas bem como heterossexuais que responderam. Contudo, também há auto-definições singulares, como unicórnio, godzilla, porca, cabecilha ou helicóptero de ataque, a par com os tímidos, reservados, ponderados ou, simplesmente, auto-definições baseadas no sexo (mulher, por exemplo). Houve quem aproveitasse para se auto-definir como heterossexual por não ser “retardado ou ter algum distúrbio”, comprovando que, afinal, há ideias que o tempo não apaga.
Sobre o preconceito social em relação à sexualidade, recebi as mais variadas confissões. Dos estafados “fufa” e “paneleiro” e das afirmações de mulheres dizendo estarem habituadas a “ouvir comentários ofensivos por parte de homens”, há quem brinque com o outro questionando-o sobre as suas preferências porque “é mesmo homossexual ou é só porque é moda”, ou acrescente “ter pena do teu namorado, não serves para namorar”, e diga que pessoas que “gostam de pessoas do mesmo sexo são uma vergonha para a sociedade”. Há quem vá mais longe, descendo o nível da expressão para afirmar coisas como “porca de merda o teu homem não te satisfaz, tens de ir buscar outra coisa”, “és uma puta gorda” ou “paneleiro, vais arder no inferno”. Há quem argumente tratar-se de indecisão ou de não ter conhecido o “homem certo” e que teria “vergonha de ter uma filha assim”, da mesma forma que há quem prefira que “fosses puta do que fufa”. Entre a “baleia assassina”, “cabra” e “não é natural, é nojento”, há espaço para muitas afirmações que nos deveriam envergonhar enquanto sociedade por sermos incapazes de respeitar a diferença, ao mesmo tempo que não sabemos respeitar o outro, quando alguém afirma que “só estás com mulheres porque nenhum homem te quer”, “és tão bonita, de certeza que consegues arranjar namorado” ou, novamente o regresso ao passado, com “têm todos uma doença mental, deveriam ser metidos num hospital ou morrer”. Estas afirmações lembram-me sempre a expressão de Nicki Minaj quando diz que os teus problemas em relação a mim não são problemas meus (your problems with me are not my problems) porque, em boa verdade, muito disto resulta da insegurança de quem nunca questionou a sua própria sexualidade.
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