O governo de Espanha, encabeçado pelo PSOE e por Pedro Sánchez, prepara o terreno para iniciar a negociação de um plano de concórdia entre o poder de Madrid e o independentismo catalão. O primeiro passo para abrir a negociação é o de indultar os 12 líderes independentistas que estão presos, com penas de 9 a 13 anos de cadeia, por terem organizado, apesar da proibição imposta por Espanha, uma consulta (chamaram-lhe referendo) sobre a independência.

A realização da consulta, em 1 de outubro de 2017, levou o governo de Espanha, então presidido pelo PP de Mariano Rajoy, a remeter a questão para o Supremo Tribunal, que puniu os independentistas com penas que muitos consideram desproporcionais. As condenações bloquearam qualquer hipótese de diálogo. Não se pode esperar negociação quando os líderes estão presos.

O atual presidente do governo de Espanha está a tentar contornar esse obstáculo. Ousa superar a pesada sentença judicial com uma decisão política, que está nas competências do governo, de indulto aos condenados para, assim, abrir o diálogo, inclusive com participação direta de alguns deles – o dialogante e muito político Oriol Junqueras é o líder natural dos catalães.

Esta negociação deveria ter a dimensão de plano de concórdia entre a Catalunha e o resto de Espanha. Mas não pode ser porque no conjunto de Espanha há uma maioria espanholista que, de modo intransigente, se opõe a qualquer negociação ou cedência envolvendo os independentistas. Estes, na prova das urnas, têm mostrado valer à volta de metade dos cinco milhões de votos catalães.

A maioria espanholista demoniza qualquer intenção de indulto aos 12 independentistas, apesar de esta medida de perdão ser de uso frequente por sucessivos presidentes do governo de Espanha: José Maria Aznar, o mais histórico e duro dos líderes do PP, é o recordista com 5948 indultos em oito anos (1996/2004); antes, o socialista Felipe Gonzalez, deu quase o mesmo número de indultos, 5944, mas em 13 anos e meio (1982/1996). Zapatero e Rajoy continuaram a prática de concessão de indultos.

Os processos de indultos concedidos incluem o ex-general Alfonso Armada, estratego da tentativa de golpe de estado que, em 23 de fevereiro de 1981, incluiu o assalto ao parlamento com tiroteio na sala onde estavam reunidos os deputados e o governo. Foi indultado.

Agora, Pedro Sánchez invoca que os “possíveis indultos” visam “transitar de um mau passado para um futuro melhor, que tem de ser escrito com as palavras concórdia, conciliação e coesão” e assim aliviar “o custo para o país de deixar as coisas enquistadas como estão”.

Os indultos que Sánchez está a preparar são parciais, limitados e reversíveis: não anulam a condenação, apenas perdoam o tempo de pena necessário para que cada condenado saia da prisão e esse perdão é anulado “em caso de reincidência”.

Mas há uma coligação espanholista que é poderosa e intransigente na rejeição dos indultos.

Causa espanto ver o Supremo Tribunal de Espanha a encabeçar essa coligação. Já tinha parecido anómalo, em 2017, que o governo Rajoy tivesse trespassado para a Justiça o tratamento de um caso que é político. Essa transferência de competências, culminada com condenações desproporcionadas (houve insubmissão, não houve violência), agravou o impasse no conflito catalão.

Agora, mal se soube da intenção do chefe do governo espanhol de decidir indultos aos insubmissos da Catalunha, o juiz presidente do julgamento no Supremo de imediato veio a público qualificar essa intenção com uma expressão que tem o valor de trincheira: “inaceitável”. A declaração do juiz Manuel Marchena surpreende por parecer mais um artigo de opinião que uma resolução judicial, ao comentar que “alguns dos que aspiram ao indulto são precisamente líderes políticos que, hoje por hoje, garantem a estabilidade do governo”.

É um facto que o governo de Madrid tem a viabilização e sobrevivência condicionada pela abstenção da Esquerda Republicana da Catalunha, o partido que tem como figura principal Oriol Junqueras, o independentista condenado à pena mais pesada, 13 anos de prisão.

As direitas espanholas agarram-se a esta circunstância para argumentarem que o que Sánchez está a pretender com os indultos é salvar a continuidade do governo das esquerdas.

Essa vasta aliança das direitas espanholistas, apoiada pela imprensa madrilena afim, que já iniciou com estrondo a campanha contra o “indultazo”, e escorada nas posições do Supremo Tribunal, serve-se do indulto para cavalgar em ataque ao governo das esquerdas.

As direitas põem-se atrás das togas para desgastar o governo socialista, que as sondagens mostram estar frágil, com os socialistas ultrapassados pelos populares (PP com 28,1%, PSOE com 25,8%, Vox com 15,9%, Podemos com 9,5%)

Está convocada para 13 de junho, na praça de Colón de Madrid, lugar símbolo das direitas, uma manifestação que junta PP, Vox, Ciudadanos e que até poderá ter gente do PSOE que também está ferozmente contra qualquer gesto de tolerância dirigida aos independentistas.

Se nos focarmos em cálculos eleitorais, é provável que os indultos garantam a coesão da maioria parlamentar que suporta o governo, e a sobrevivência deste até às eleições gerais em 2023. Mas os indultos são forte motivo para que os socialistas e a esquerda saiam derrotados dessas próximas eleições, exceto em caso de improvável milagre de conseguirem o fim do conflito e a concórdia entre a Catalunha e todo o resto da Espanha.

Para além da questão dos cálculos eleitorais, os indultos são indiscutível aposta valente para a convivência entre as duas partes, representadas por Madrid e Barcelona. O conflito sai do beco sem saída em que a via unilateral do independentismo o meteu e abre-se a já anunciada mesa de diálogo.

Pode ser conseguido um compromisso que supere com harmonia o desafeto dos espanhóis pelos catalães e vice-versa? É muito difícil, não é impossível.

Há um problema sério para resolver e que está muito acima de cálculos eleitorais. O problema é político, requer líderes com audácia para o tratar. Há uma ténue oportunidade, apesar do estrondo de grande algazarra e alta tensão política nestes próximos dias de Espanha, com muita gente à beira de um ataque de nervos.