A minha amiga diz-me que existem melhores pessoas do que más. Os imbecis serão em menor número. Porque o mundo ainda tem esperança. Eu faço por acreditar nela, porque é um ser humano incrível e porque preciso muito de acreditar que há luz ao fundo do túnel. Depois de dois anos de pandemia a impedir-nos de viver como sempre vivemos – sim, éramos felizes e não sabíamos –, temos de enfrentar a guerra com um sentido de impotência tremendo, angustiante. Sento-me a ler as notícias e percebo que estamos a assistir a tudo de camarote, uma Europa inteira a olhar para a Ucrânia, a impor sanções, mas sem impedir que as pessoas morram. Recordo Dom Quixote, na obra-prima de Miguel de Cervantes “Fazer bem aos vilões é lançar água no mar”.

Não entendo como é que a NATO não entra pelo país adentro e põe fim a esta carnificina. Não percebo como é que, na Rússia, não há quem decida acabar com o terror que um homem protagoniza há duas décadas. Há, na verdade, muitas coisas que não entendo e muitos gestos que me comovem.  O meu tio enfiou-se num carro, com uma amiga, e foram à fronteira deixar medicamentos e roupa. A Rádio Comercial criou uma Rádio Ucrânia. A produtora de televisão do Canal 1 russo, Marina Ovsyannikova, arriscou a sua existência para mostrar um cartaz que dizia: NO WAR. Parem a guerra. Não acreditem na propaganda. Aqui eles estão a mentir-vos. Foi detida imediatamente e espera-se que cumpra, no mínimo, 15 anos de prisão. Outros estão presos por se terem manifestado na rua. Agentes culturais demitiram-se. As mães dos soldados russos não sabem exactamente o que se passa. O presidente Zelensky diz que os soldados russos, que queiram render-se, serão tratados com dignidade. 

Parece-me que os ucranianos é que não são tratados com a dignidade que mereciam, por nós, que assistimos à guerra quase como se fosse uma série de televisão. Não é ficção, é realidade. E terrível. Estamos à espera do quê, para pôr fim a isto? Estamos a tentar driblar uma guerra nuclear, já sei. Enquanto isso assistimos ao genocídio de um povo, de uma cultura. Os russos nunca mais serão irmãos dos ucranianos e a culpa tem apenas um nome: Putin. O povo russo, como o ucraniano, merecia melhor. 

Entretanto, as imagens da guerra, o monotema permanente, as consequências – mais 30% no preço das frutas e legumes, mais 40% no peixe, para não falar da malfadada, mas ainda crucial, gasolina – e toda a futurologia avançada por estrategas, políticos, militares, comentadores etc, que tem um efeito altamente deprimente. Ontem sugeri que se fizesse um programa de televisão sobre saúde mental, porque somos um dos povos com maior consumo de fármacos para controlar ansiedade e depressão, e a resposta que obtive foi esta: “A guerra é sobre política, não é sobre saúde mental”. Concluí assim que a política não se importa com a saúde mental, o que aliás é um dos enormes problemas que enfrentamos. A par de tudo isto, sem sabermos ainda exactamente os efeitos de dois anos de pandemia, assistimos às novas gerações cobertas de uma falta de esperança inominável. Como combatemos isto? Dom Quixote diz a Sancho Pança: “Mudar o mundo, meu amigo Sancho, não é loucura, não é utopia, é justiça”. Como não resisto a mais uma citação quixotesca, deixo-vos esta, para que talvez possam pensar como nos salvamos de tudo isto, e como podemos ajudar os mais novos: “Sonhar o sonho impossível, sofrer a angústia implacável, pisar onde os bravos não ousam, reparar o mal irreparável, amar um amor casto à distância, enfrentar o inimigo invencível, tentar quando as forças se esvaem, alcançar a estrela inatingível: essa é a minha busca”. Deveria ser a nossa também, não passiva, mas activamente. Caso contrário, estamos mesmo a hipotecar o nosso futuro.

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