A corroborar a minha escolha estão os “Golden Globes” atribuídos no início da semana. Embora eu pouco me rale para a maioria dos prémios de cinema, é indesmentível que um filme premiado nas categorias principais se torna, com toda a lógica, naquele que granjeia maior importância mediática. Esta popularidade bastava para contrariar José Rodrigues dos Santos, mas eu prefiro chamar “filme do momento” ao “Três Cartazes à Beira da Estrada” pela forma como as personagens medem o pulso aos Estados Unidos, e a forma como uma história particular consegue captar o “momento” que é o agora.

O cinema norte-americano e a política norte-americana têm sido dos temas a que mais aqui recorro. Gosto sobretudo da maneira indistinta como posso tratá-los. Várias vezes, ao abordar a actualidade política dos Estados Unidos, uso as regras da crítica de entretenimento; outras tantas, escrevo sobre filmes mantendo o olhar focado em paralelismos com a actualidade política. Não o faço por espertalhice, nem por ser um jogo interessante. Faço-o porque, de facto, a política e o entretenimento têm naturezas comuns, têm personagens que se entrecruzam. Já não é só a caricatura, nem a simbologia, nem as referências: as realidades e as ficções são comuns, e telas brancas parecem ser feitas do mesmo material que Casas Brancas.

Nesta última semana, nem se sabe se a novidade mais fervilhante vai para o caldeirão da política ou o do entretenimento. Quando falamos de Oprah Winfrey como possível sucessora de Donald Trump na presidência dos E.U.A., basicamente estamos a falar da senhora que maior número de dietas fez a olho público e do senhor que teve um cameo no Sozinho em Casa II, ambos em disputa pelo assento mais poderoso do mundo. Estou a ser redutor, talvez, mas a barafunda mediática parece-me bem sumarizada.

“Três Cartazes à Beira da Estrada” não lida com os figurões. Pode até dizer-se que a ausência de mediatismo é um dos seus temas. O interesse pelos pequenos e anónimos tem que fazer parte do “momento”, até pela forma como eles capacitam e elegem os grandes. O filme baseia-se nessa gente minúscula para quem a ideologia pouco interessa; o que há é pragmatismo, há amor, há ódio, todos a medirem forças e a encontrar personagens bem desenvolvidas – nunca a encontrar robots panfletários. Não se vislumbra uma agenda política programada pelo realizador/argumentista Martin McDonagh.

Apesar de ser ficção, o filme faz-nos atentar para uma América real. Aborda violência sobre as mulheres, racismo, inoperância dos sistemas - uma América real. Mesmo quando o rocambolesco ataca, é impossível ignorar a pertinência dos assuntos. Isto tudo ajuda-nos a contrariar uma ideia que havia tomado conta de nós: afinal a América remota, das cidades pequenas, das aparências rudes e dos ódios instituídos não é apenas uma amostra insignificante, nem mero palco de historietas – é ela própria um retrato válido do país, não o pormenor que ficou num cantinho da fotografia.

Porque muito ignorámos esta “América dos pequeninos”, também muito nos surpreendemos nas últimas eleições presidenciais. Agora julgamos estar mais prevenidos, agora esperamos o pior, mas... lamento, continuamos míopes. A visão é limitada: ainda explicamos a vitória de Donald Trump através duma massa de eleitores ignorantes, cheios de ódio, inapeláveis no ódio e na ignorância. Se há coisa grandiosa que “Três Cartazes à Beira da Estrada” demonstra, é que as pessoas piores têm um passado que assim as fez, e um futuro que as permite melhorar. O exemplo está em personagens do filme que, nas escassas 2h de duração, nos arrancam riso, ódio, compaixão, simpatia e admiração. Pode muito bem ser essa a massa de eleitores da América, uma massa elástica como as boas massas. Há esperança. Se não torcermos por histórias de redenção, então já nos tornámos adeptos de ignorância e ódio inapeláveis.

“Três Cartazes à Beira da Estrada”, para além desta proeza de ser uma amostra (quiçá inadvertida) do nosso tempo, é ainda uma amostra de competência narrativa e cinematográfica. Mesmo não sendo perfeito (com um par de cenas metidas a martelo, e uma rudeza da história que não tem paralelo no estilo da realização), merece dignas recomendações, e o epíteto de “filme do momento”. Há pouco falava dos “pequenos e anónimos” de que se faz o enredo, mas isso era uma caracterização social das personagens, não uma abordagem aos seus papéis na narrativa. A história ali é feita de intervenientes dotados de nome, de personalidades fortes - todos imiscuídos em acontecimentos locais muito marcantes. Estas características vincadas ainda mais se vincam através do desempenho tremendo do trio principal de actores.

Frances McDormand no papel principal é perfeita, para dizer pouco. Woody Harrelson é de uma riqueza subtil e sublime. Sam Rockwell, que já encarnou personagens deste tipo, fá-lo de forma inigualável. São três gemas preciosas que ainda mais me afincam na recomendação.

O final lembrou-me outro título que há um par de anos esteve nas salas de cinema: “Custe o Que Custar!”, de 2016. Também nesse filme se fazia um retrato simbólico da América, também aí se sujavam as mãos com ambiguidades morais (a escapar ao crivo do politicamente correcto, porque a realidade é escorregadia). “Três Cartazes à Beira da Estrada” e “Custe o Que Custar!” partilham ainda um desfecho marcante, sobretudo porque não nos mima. Em ambos há uma resolução suspensa – morte, vida, vingança e paz, tudo pode acontecer e pode não acontecer nada. A América é inesperada, diz a ficção. Diz a verdade.

SÍTIOS CERTOS, LUGARES CERTOS E O RESTO

Repisar as recomendações:

Três Cartazes à Beira da Estrada

Custe o Que Custar!