A 14 de Junho de 2021, durante a Presidência Portuguesa da União Europeia, foi adoptada por unanimidade a Recomendação do Conselho da União Europeia que estabelece uma “Garantia Europeia para a Infância”. 

Esta “Garantia Europeia para a Infância” articula-se com a Estratégia Europeia dos Direitos da Criança e materializa o princípio número onze do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, cuja função é a prevenção e o combate à exclusão social e à pobreza infantil na Europa através da promoção da igualdade no acesso a oportunidades de vida.

Aqui incluem-se os direitos da criança a uma vida saudável, a aprender e a participar, a ter acesso a condições de contexto e de ambiente verdadeiramente estimulantes do seu desenvolvimento.

Esta "garantia" é dirigida substancialmente às crianças mais desfavorecidas e propõe-se retirar da pobreza e da exclusão social cinco milhões de menores em toda a Europa, até 2030.

Para isso, recomenda aos Estados da União que garantam “o acesso efectivo e gratuito à educação e acolhimento na primeira infância de elevada qualidade, à educação e a atividades em contexto escolar, a pelo menos uma refeição saudável por dia lectivo e a cuidados de saúde”. Devem ainda ser assegurado “o acesso efectivo a uma alimentação saudável e a uma habitação adequada”. 

Os grupos de crianças mais desfavorecidos estão identificados e esperam-se medidas nacionais eficazes. Incluem crianças entregues a instituições; crianças com deficiência; crianças com problemas de saúde mental; crianças oriundas da imigração ou de minorias étnicas, em particular as crianças ciganas; crianças sem-abrigo ou em situação de privação habitacional grave e crianças de contextos familiares disfuncionais.

A adopção bem-sucedida desta Recomendação durante a Presidência Portuguesa da União Europeia, confere a Portugal responsabilidades acrescidas na concretização de um plano de acção nacional.

E o contexto actual é alarmante. A pandemia e o confinamento agravaram as desigualdades sociais. Crianças de grupos mais desfavorecidos sofrem e continuarão a sofrer desproporcionalmente os efeitos desta crise, pelo menos durante um horizonte temporal de 10 anos. 

Cabe por isso a Portugal identificar a gama de fatores de risco que possam determinar a pobreza infantil e a exclusão social no nosso território. Deste modo, a implementação da “Garantia Europeia para a Infância” estará mais bem-adaptada às nossas circunstâncias e necessidades particulares, identificando de modo mais assertivo os grupos de crianças em situação de maior fragilidade, as barreiras que enfrentam, sublinhando o que muitas vezes é negligenciado num país não regionalizado: as circunstâncias regionais e locais particulares de cada território.

É imperativo que a construção do Plano de Acção Nacional avance com uma intensidade participativa até agora inédita, envolvendo todas as partes interessadas relevantes. A Recomendação aponta nessa direcção: “autoridades nacionais, regionais e locais, das organizações da economia social, das organizações não governamentais de promoção dos direitos das crianças, das próprias crianças e de outras partes interessadas, bem como a cooperação com estes intervenientes, na concepção, na execução e no acompanhamento de políticas e serviços de qualidade para as crianças”. 

A construção de uma Plano de Acção desta natureza deve conter na sua génese preocupações de eficácia na sua concretização e ser concebido no quadro da Europa, a partir da nossa condição enquanto europeus. 

Proponho um conjunto de quatro questões como contributo para o arranque da reflexão:

  • Quais os objetivos e as prioridades em Portugal em relação à implementação eficaz de uma “Garantia Europeia para a Infância” nos próximos meses?
  • Em que se traduz a implementação de um Plano de Acção bem-sucedido para o presente e o futuro dos grupos de crianças mais desfavorecidas do nosso país?
  • Que capacidades regionais e locais serão activadas para pôr em marcha um Plano de Acção?
  • O que precisa o Plano de Acção das crianças e de todas as partes interessadas - pessoas e organizações, que actuam no âmbito dos direitos das crianças?

Desde ontem que está em consulta pública a “Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030” que inclui no Eixo Estratégico 1 um conjunto de intenções que se propõem “reduzir a pobreza nas crianças e jovens e nas suas famílias”. Talvez fosse desejável fomentar a articulação entre os conteúdos deste eixo e futuras acções do Plano de Acção da “Garantia Europeia para a Infância” que fizessem sentido. Não é, contudo, bom sinal a ausência de referências a esta Garantia no preâmbulo do Diploma Legislativo que apresenta a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza. 

Não é demais reforçar que sem um plano ambicioso, articulado, efectivamente participado, ancorado nas circunstâncias do presente e de olhos postos no futuro, o país corre o risco de deixar fugir uma oportunidade que certamente não se irá a repetir até 2030.