Primeiro que tudo, é irónico que aconteça na Rússia esta celebração da diversidade, que é o que é o Mundial pelo menos aos olhos de um optimista como eu. Sabemos bem que a Rússia é menos tolerante à diversidade que uma instagrammer ao glúten. E se durante este mês é tudo amor e alegria à volta daquele rectângulo verde, é importante lembrar que se a relva fosse preta provavelmente não existia futebol na Rússia.
A Rússia é o país onde qualquer homossexual, se quiser sobreviver, tem de correr como o Ronaldo, fintar como o Messi e saber encaixar uma cotovelada como o Pepe. No fundo, têm de ser os melhores homossexuais do mundo e mesmo assim andam sempre em sobressalto para ver se não são apanhados em fora-de-jogo-das-regras-normativas-da-sociedade-conservadora-extremista.
A Rússia é também, por exemplo, o país que com conhecimento do Governo de Putin dopou dezenas de atletas, que viriam a ganhar medalhas olímpicas, e que agora passa anúncios sobre fair-play no desporto. É tão engraçado como o facto de agora o Macaco, líder dos Super Dragões, dar palestras sobre desportivismo.
E claro que também é o país que tem quase tantas detenções ilegais de presos políticos como o William tem garrafas abertas no Guilty. Está ali a roçar as 70, e quase todas elas a propósito daquela nacionalização da Crimeia. Sabem? Como lhes dava muito jeito, fizeram como a Espanha fez com o Diego Costa e nacionalizaram aquilo, só que foi com tanques e tiros e a matar pessoas, em vez de só mudar o passaporte e marcar a Portugal.
Como se tudo isto não fosse já divertido o suficiente, o jogo inaugural foi o Rússia – Arábia Saudita. Se em vez de futebol fosse em Direitos Humanos, tinha ficado -20 a -20 e tinha perdido o mundo. Em futebol ficou 5-0, mas o mundo continua a perder enquanto houver países em que homossexuais, pessoas de tez não-branca, pessoas que não sejam da maioria religiosa do país, ou pessoas que tenham um pénis em vez de uma vagina, continuem a ser mais discriminados que um português que não goste do Eder depois de 2016.
Por outro lado, - e se calhar estou a ser ainda mais optimista do que é normal – é bom que o Mundial seja na Rússia. Pode ser que aprendam alguma coisa sobre a beleza da diversidade estar no facto de sermos todos e cada um não mais que um amontoado de células que num instante deixam de funcionar.
Pode ser que o futebol lhes ensine alguma coisa.
Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:
- "Não Sou Um Homem Fácil": Filme francês da Netflix. A inversão de papéis sociais do homem e da mulher, postos de uma maneira fácil de entender como o sexismo é uma realidade tão injusta para as mulheres. Não digo que seja um filme genial, mas é bastante útil.
- "O capitão saiu para almoçar e os marinheiros tomaram o navio": Bukowski a ser Bukowski. Já li uns 10 livros dele e nunca me canso da sua genial amargura cómica.
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