Dia de Páscoa, dia que assinala a ressurreição de Cristo, este ano calha no Dia das Mentiras, numa bonita ironia que só a aleatoriedade do universo é capaz de gerar. Por isso, deixo-vos com a história alternativa e, talvez mais provável, sobre a morte de Jesus.
Era uma vez Jesus Cristo, jovem adulto de 33 anos, carpinteiro de profissão, milagreiro de vocação. Enquanto não estava a montar móveis do IKEA, ocupava-se a curar os moribundos, a andar sobre a água e a dar cabo do negócio das padarias da região, multiplicando pães e oferecendo-os à população.
Jesus era casado com Maria Madalena, empresária da noite. O casamento já vivera melhores dias, a vida sexual do casal era escassa, Madalena chegava sempre a casa muito cansada e Jesus, também ele esgotado devido aos seus passeios pelo monte com os amigos. Aliás, esse talvez fosse o maior motivo de discórdia entre o casal: as longas temporadas fora de casa com os amigos e as noitadas infindáveis a beber vinho, davam o mote para as longas e acesas discussões; «Eles são meus seguidores e precisam de mim para os inspirar!», defendia-se Jesus, ao que Madalena respondia «Vai lá então, faz o que quiseres, tu é que sabes, diverte-te…». Não era preciso ser filho de Deus e ter poderes sobrenaturais e adivinhatórios para saber que aquela frase queria dizer exatamente o oposto do que parecia.
No entanto, como sempre, Jesus foi sair com os seus apóstolos. Numa noite mais quente, em que a água se transformou em vinho uma e outra vez, vezes demais, já depois de calcorrearem todos os bares e discotecas da aldeia, foram tomar a ceia a uma roulotte de cachorros quentes. Aí, Jesus confessou aos amigos que o casamento não ia bem e que estava farto de Madalena. Os amigos tentaram confortá-lo como fazem os amigos, «Bebe mais um copo e caga na gaja! Mão direita, mão direita é pénalti!»; alguns aconselharam-no a ter calma dizendo-lhe que seria apenas uma fase e que o casamento era assim mesmo e que pensasse no ponto positivo de que, naquela altura, “até que a morte os separe” não era assim tanto tempo dada a esperança média de vida de então. Ao falarem nisso, o seu amigo Judas – aquele que existe em todos os grupos e que mete veneno quando uma relação não vai bem para que todos os casais se separem e os amigos fiquem encalhados como ele – disse, «Já que o teu pai não aprova o divórcio… podias simular a tua morte! Ah ah ah.». Uma risada geral, mas que ficou a ressoar na cabeça de Jesus.
Mais uma e outra caneca de água de vinho, Jesus virou-se para Judas e disse-lhe que a ideia que tivera não era assim tão descabida e que, bem executada, poderia resultar. Inebriado, começou a recordar tudo o que estava mal no seu casamento e encarou a simulação da sua morte como o embuste e escapatória perfeitos: não teria de encarar Madalena, não teria de deixar pensão de alimentos e até podia ser bom para a sua startup part-time, Milagrify, tornando-o num mártir e aumentando as vendas cujos lucros receberia através de um camelo-correio enviado por um dos seus inestimáveis apóstolos e sócios.
Assim foi, entre copos e outras substâncias, conjeturou-se o plano perfeito: foram a uma loja de máscaras comprar disfarces de romanos; Jesus montou uma cruz de madeira do IKEA num ápice; chamaram duas ou três testemunhas e, com a perícia de Pedro, apóstolo influenciador de makeup, simularam a crucificação perfeita usando vinho como sangue e massa de pão para caracterizar feridas e aberturas no corpo de Cristo – algo que, mais tarde, com várias adaptações e traduções livres, derivou para o paralelismo entre o vinho e o pão com o sangue e corpo de Cristo, respetivamente.
Jesus estava com uma ressaca tão grande que nem foi preciso tomar nada para que parecesse morto; retiraram-no da cruz e, utilizando o argumento de que era uma pessoa importante, ao invés de ser enterrado foi sepultado numa gruta onde esperaria três dias até sair. Assim foi e ao terceiro dia Jesus preparou-se para sair do túmulo e abraçar a sua nova vida. Mas ao colocar pé na liberdade, deparou-se com Arminda, a velha porteira da aldeia. O plano estava estragado!
Aquela velha, depois dos sinais de fumo, era a primeira forma de comunicação em massa e de longa distância criada pelo ser humano. Arminda, sobressaltada, correu como se fosse jovem novamente e gritou em plenos pulmões «É milagre, é milagre! Jesus ressuscitou!». A população apressou-se a sair das suas casas para ver o milagre e Cristo não teve outra opção que não a de voltar para casa e encarar Maria Madalena. Pelo caminho pensou na desculpa que iria dar, chegou, abriu a porta e de forma triunfante exclamou «Feliz Dia das Mentiras, amor!». Madalena, apesar de lhe chamar nomes com o olhar, nada disse, desviou a cara, evitando o beijo de Jesus, e preparou-se para sair e ir trabalhar. Jesus perguntou-lhe «O que se passa?» e ela respondeu «Nada, não se passa nada.»
Obviamente que esta história, tal como a da Bíblia, é fabricada e em nada baseada em factos históricos. Cada um acredita no que quer, mas a minha é mais verosímil, parece-me. Uma santa Páscoa e um feliz Dia das Mentiras a todos.
Sugestões e dicas de vida completamente imparciais:
Um livro: “A Possibilidade de uma Ilha” de Michel Houellebecq.
Uma série: “Falta de Chá”, todas sextas-feiras, às 16:35h na SIC Radical.
Um filme: “A Invenção da Mentira” de Ricky Gervais.
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