Quando se soube que a exposição de Robert Mapplethorpe no Museu de Serralves tinha uma área reservada a maiores de 18 anos e menores acompanhados – estamos a falar de duas salas de acesso condicionado dentro da exposição e não de avisos à entrada do museu –, vários argumentos procuraram justificar a decisão e houve um especialmente sonante: que as crianças teriam de ser poupadas àquelas imagens, por falta de maturidade física e mental para lidarem com elas.

Que a área reservada deveria existir, parece, por enquanto, o único facto que une os administradores da instituição e o demissionário curador da exposição e director do museu. Aparentemente, as declarações públicas de ambos coincidem neste aspecto.

Ouve-se agora dizer que Mapplethorpe fotografou pornografia e isso obrigaria Serralves, ou qualquer museu, a impor classificação etária e restrições ao acesso, tal como acontece com filmes pornográficos ou violentos (com a diferença de que esses filmes têm “aviso à entrada”, sim, mas não cenas cortadas ou desfocadas lá pelo meio).

Acontece que temos motivos para pensar que as crianças, neste caso, são uma máscara. Porque as fotos não falam.

Quando se empurra as crianças para o debate, pressente-se que nos querem dizer outras coisas. “Gosto do que vejo e preferia não gostar”, “queria ver, mas fere a minha sensibilidade”, “não gosto, mas tenho interesse”, “quero que todos vejam, mas sei que é errado”.

Como não é isto que nos dizem, aparecem as crianças. Quando em Portugal se quis legalizar a adopção por homossexuais casados ou unidos de facto – o que é possível desde Março de 2016 –, os detractores também falavam do choque que as crianças sofreriam por terem dois pais ou duas mães.

A capacidade de vermos e de nos mostrarmos é resultado de um contexto cultural, lembrava em 2016 o académico Robert Reid-Pharr numa conferência sobre homoerotismo na fotografia – que é tema dos primórdios.

O caso mais célebre será o de Wilhelm von Gloeden (1856-1931), barão germânico que foi viver para a Sicília com 20 e poucos anos, cujas fotografias ingénuas de rapazes nus se tornaram notadas e têm hoje um óbvio cariz pedófilo. Muitos outros artistas fotografaram o corpo masculino. Eugène Durieu (1800–1874), Thomas Eakins (1844-1916), Herbert List (1903-1975), George Platt Lynes (1907-1955), Duane Michals (n. 1932). E, já agora, mais próximo de nós, o brasileiro Alair Gomes (1921-1992).

Pornográficas ou não, as fotografias não dizem a quem olha se as representações nelas contidas são boas ou más, belas ou grotescas, honradas ou desviantes. É cada pessoa que faz as imagens falar e elas dirão sempre o que quisermos que digam. Quando isso acontece, provavelmente estamos apenas a falar de nós através delas.