Foi um trabalho árduo, moroso, muito gratificante e com bastante comoção e afecto. Centenas de horas de entrevistas, muitos artigos de jornal e teses académicas, uma pesquisa sobre a vida da Maria Teresa, as suas relações, a evolução do país. Um projecto, diria, ambicioso e pouco parcial, por estar contaminado pela nossa amizade; ainda assim, uma tarefa que encarei numa perspectiva jornalística, a que me dediquei até ao final do ano passado.
Sou amiga da Maria Teresa há muitos anos e isso é, por si só, um enorme privilégio. Não só é uma mulher importante para as mulheres jornalistas como eu – por ter feito um percurso nas redações numa altura em que o domínio era totalmente masculino, e por ter sido chefe de redação da revista Mulheres –, como é pioneira na sua convicção em defender a causa das mulheres, ela que diz ser já feminista na altura, sem o saber. A avó levou-a a reuniões com sufragistas, cruzou-se com Maria Lamas muito pequena, à conta dessas sessões disfarçadas, muitas vezes, de tardes com chá e biscoitos. O lugar das mulheres na sociedade sempre foi observado, pela Teresa, com interesse e com alguma surpresa: por que carga de água é que as mulheres não podiam fazer ou dizer – podem – certas coisas que são inquestionáveis, quando feitas ou ditas por homens? Escreveu muito sobre a situação das mulheres, no Portugal pré e pós-25 de Abril. Fê-lo como jornalista, como poetisa e como ficcionista.
Acredita que existe uma forma de viver a vida que é feminina, e que o poder no masculino se faz para a submissão das mulheres, para a sua desvalorização. Que ser feminista não é uma questão de género, os homens também o são, aqueles que acreditam na igualdade e paridade como valor certo, para as relações entre homens e mulheres.
No seu percurso de vida, muitas são as situações em que o feminismo em que acredita a prejudicou. Não teve cedo a atenção e o lugar merecido junto da academia e da crítica. Sempre foi uma mulher incómoda, ela dirá: “Sou uma chata, sempre fui uma chata”. E a dimensão dessa chatice mede-se pelas suas convicções, pela necessidade de dizer o que pensa e defender aquilo que lhe parece melhor. Nunca se ajustou à realidade dos outros para beneficiar a sua carreira, seja jornalística ou como poetisa/escritora. Portugal não é meigo para as mulheres fortes e com voz, que fazem questão de a usar e assumem o seu direito à liberdade de expressão e de gestos. Maria Teresa Horta nasceu em 1937, é uma mulher singular na sua geração. Liberdade e desobediência são-lhe caras, como palavras e atitudes, do que gosta é questionar, nunca quis fazer parte do sistema. Como se pode imaginar, não foi fácil colher os frutos da sua liberdade nem do seu enorme talento.
Para a biografia, o filho da Teresa, Luís Jorge de Barros, afirma que a mãe foi uma ativista do feminismo, incómoda até ao ano 2000, e que só depois disso o mundo passou a encará-la como uma escritora. Teresa publicou o primeiro livro em 1960. Portugal chegou atrasado ao reconhecimento devido à poetisa, diria, e o mesmo aconteceu com os palmares e prémios que poderia – e deveria – ter recebido. A luta das mulheres não tem fim. E Maria Teresa Horta sabe-o bem.
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