A globalização não trivializou apenas o movimento de mercadorias (de microships a roupa interior, passando por tudo e mais alguma coisa) e as disputas comerciais e militares entre os quatro cantos do planeta; a globalização tornou possível o impossível movimento de milhões de pessoas de um lado para o outro, a maioria em condições desesperantes. Enquanto as alterações climáticas não matarem toda a gente, este problema não parece ter solução, antes tende a agravar-se.

Começo pelas definições, para facilitar a compreensão do tema. Imigrante é o que entra, emigrante é o que sai, isto toda a gente sabe. Menos óbvia e mais contenciosa é a diferença entre migrante económico e refugiado. O primeiro sai da sua terra porque está a passar fome e não tem meios de subsistência à vista; o segundo está a fugir de um regime político que ameaça a sua vida. Há um terceiro grupo, muito mais pequeno e menos problemático, que é o expatriado (expat, em inglês). São as pessoas que mudam do seu país para outro porque gostam mais do clima, têm melhores ofertas de trabalho, aproveitam vantagens fiscais, ou reformaram-se com um rendimento confortável e querem gozar os últimos anos de vida num sítio com melhor lazer. Este grupo não constitui um problema porque emigram voluntariamente e são geralmente recebidos de braços abertos pelo país de destino.

A distinção entre imigrante económico e refugiado é importante porque o estatuto legal é diferente. As convenções internacionais, mais ou menos respeitadas por todos os países, dão ao refugiado o direito legal de residência, enquanto o imigrante pode apenas contar com a boa vontade (ou necessidade de mão-de-obra barata) do país receptor, que varia conforme a política dominante nesse país.

Quando o governo é nacionalista e/ou xenófobo, considera os imigrantes negativamente, como aproveitadores das vantagens sociais, perturbadores da ordem e potenciais delinquentes. Aceder ao estatuto de refugiado - que garante a residência - nem sempre é fácil, porque muitas vezes não é simples de provar que o indivíduo esteja a ser vítima de perseguição política. Um exemplo mais evidente desta situação são os imigrantes que vêem da América Central e do Sul para os Estados Unidos, alegando que são perseguidos por gangues criminosos ou ditaduras violentas; não há documentação do país de origem que o prove.

Mais evidente no sentido contrário são os imigrantes de países como a Síria para a Europa, cujo governo é reconhecidamente selvagem na repressão dos dissidentes. Há também uma situação religiosa potencialmente conflituosa em países como a França ou a Grã-Bretanha, onde os imigrantes/refugiados são muçulmanos e não aceitam os valores da religião cristã.

A excepção é a Alemanha cristã, que não se preocupa com os dois milhões de imigrantes turcos, muçulmanos. Nos países nórdicos (Suécia, Dinamarca, Holanda), que “antigamente” (há dez, vinte anos) recebiam os muçulmanos com naturalidade, as diferenças de valores sociais e comportamento tornaram-se de tal maneira conflituosas que agora são anti-imigração. Finalmente, há a paranóia racista, predominante nos Estados Unidos, onde é conhecida como the great replacement: os imigrantes latinos têm taxas de natalidade muito superiores aos nativos wasp (brancos, anglo-saxónicos protestantes) e eventualmente tornar-se-ão a maioria da população.

Estes problemas tornaram-se realmente problemáticos por força dos números. Enquanto os imigrantes/refugiados eram centenas ou poucos milhares, pouca diferença faziam no mix populacional e no ambiente social. Mas actualmente são às centenas de milhares; só em Dezembro, entraram nos Estados Unidos mais de 300.000 a pé e cerca de 50 mil por via aérea.

Desde que Joe Biden foi eleito, em Janeiro de 2021, entraram mais de 81 milhões, dos quais 2,5 milhões foram imediatamente devolvidos e 5,6 milhões “processados” nos centros de imigração, não se sabendo quantos foram autorizados a permanecer - provavelmente três milhões. As entradas a pé deram-se sobretudo nos estados do Sul, todos governados por republicanos trumpistas, que se queixam, com razão neste caso, de que têm a maior sobrecarga de ilegais.

O Governador do Texas simplesmente meteu em autocarros e aviões milhares deles e enviou-os para os estados democratas do Norte: 31.200 para a cidade de Nova Iorque, 25.300 para Chicago, 12.500 para Washington. O problema tornou-se assim nacional, o que levou a que os republicanos no Congresso impedissem o envio de ajuda de militar de 60 mil milhões de dólares para a Ucrânia enquanto Biden não aprovasse maior controle anti-imigração na fronteira Sul. Como resposta, Biden ilegalizou uma nova lei do Texas que torna a imigração um crime. Como se vê, nos Estados Unidos a imigração tornou-se uma luta política, com efeitos na guerra da Ucrânia, a milhares de quilómetros de distância.

Na União Europeia, o número estimado (é impossível estabelecer números exactos) foi de 1.300.000 nos últimos anos. Uma “solução” (!) foi pagar à Turquia seis mil milhões de euros para ficar com 3,8 milhões de imigrantes, mais 560 milhões para “programas de adaptação e educação. Estes imigrantes vivem em campos de tendas e imagina-se a maneira como Erdogan se preocupa com eles…

Tal como nos Estados Unidos, a Europa também tem o problema dos imigrantes sobrecarregarem sobretudo os países do sul, Grécia e Itália, que por um lado se queixam amargamente do problema não ser tratado ao nível da União Europeia, e por outro lado deixam os imigrantes que vêem em embarcações precárias através do Mediterrâneo afogarem-se aos milhares. Os países no Norte cada vez querem menos imigrantes; a Hungria e a Polónia simplesmente recusam-nos. Orban mandou erguer  barreiras de arame farpado e deu ordens á polícia para atirar a matar. Os italianos querem mais dinheiro europeu e os gregos, como já dissemos, deixam-nos à deriva.

Portugal é um caso especial: recebe facilmente os imigrantes - quer dizer, a ineficiência do aparelho de Estado deixa-os passar pela burocracia infinita. Uma vez cá, não faz nada por eles; não lhes dá habitação, não tem programas de integração, nem sequer para lhes ensinar português, que seria o primeiro passo, e deixa-os trabalhar ilegalmente com salários de fome. Tudo dentro dos brandos costumes, que evitam cenas de violência como em França. Temos oficialmente 800 mil imigrantes (8% da população) e mais não sei quantos que ninguém sabe.

Existe um florescente mercado de documentação falsa que permite, por exemplo, que um paquistanês que não fala português obtenha uma licença de condução para dirigir um Uber - quando a legislação exige que estes condutores tenham carta há pelo menos três anos. E não vamos falar das lojas de souvenirs chineses de plástico, às centenas, onde um único empregado fica atrás do balcão, enquanto dezenas de outros invisíveis obtiveram “emprego” nessas lojas… Também não vamos falar dos milhares de escravos que trabalham na agricultura, longe dos olhares das cidades, a dormir em contentores sem higiene e a ganhar o suficiente para pagar alimentação e alojamento e mandar uns tostões para a terra - o que fazem através de corretores ilegais, uma vez que não têm conta bancária, e que lhes cobram uma percentagem pelo serviço. Ou seja, em Portugal a imigração não é um problema porque os imigrantes são úteis, fazem o que os portugueses não querem fazer, e não se queixam… Se não se integram quanto à linguagem e hábitos culturais, pelo menos absorveram os brandos costumes!

A imigração em quantidades industriais para a Europa e Estados Unidos da América tem produzido grandes dividendos para os partidos xenófobos, racistas e nacionalistas - para a extrema-direita, resumindo. A internet está cheia de posts e memes contra os imigrantes. (Em Portugal, curiosamente, parece que os mais odiados, talvez por seremos mais numerosos, são os indianos/paquistaneses, que na grande maioria não são muçulmanos.)

O perigo é que essa extrema-direita, chegando ao poder a cavalo na imigração, usará a maioria parlamentar para reduzir o nível democrático: censura, limpeza dos funcionários menos afectos no aparelho de Estado e mudanças constitucionais que afectam não apenas os imigrantes mas também os cidadãos naturais. Esta possibilidade não é teórica, como já aqui dissemos.

Trump nos Estados Unidos e Marine le Pen em França têm todas as condições de ganhar as respectivas presidenciais; a Hungria já é “anti-liberal” há anos, nas eleições de 2023 na Croácia ganhou Andrej Plenkovic (centro-direita nacionalista), Meloni, na Itália é confessa neo-fascista, Geert Wilders, nacionalista, anti-emigração e anti-UE, é o novo primeiro ministro da Holanda, na Alemanha o neo-fascista AfD não pára de subir a acaba de ganhar a sua primeira câmara municipal (Pirna, na Saxónia), em Portugal o Chega será o partido que mais vai subir nas próximas eleições e o PSD provavelmente precisará dele para uma maioria.

Para um pessoa, emigrar não é um problema, é um drama. Para um país, muitos imigrantes é um problema e poderá converter-se facilmente num drama. Mas as migrações são imparáveis, na actual conjuntura mundial.