As duas mulheres estão no café e, na verdade, não é coscuvilhice, é impossível não as ouvir. Tomo o café com os olhos postos no telemóvel, a ver se me escapo à conversa alheia, mas não é possível. As duas mulheres falam de uma terceira que, ausente, como acontece à maioria das pessoas que é criticada cruelmente, não está ali para se defender. E os reparos são de uma hostilidade imensa, porque essa desconhecida é "esquisita", tem "a mania", veste-se de maneira "incompreensível" e, cereja no topo do bolo amargo, está "disforme" porque não se cuida, teve o filho e deixou-se "abandalhar". Talvez tenha tido a criança há um mês, talvez as hormonas estejam a recuperar e, por hipótese, tem um problema de tiróide, ou outro. Isto sou eu, mentalmente, a defender a senhora que não conheço e a começar a ferver com as duas megeras que não se calam e que aniquilam uma mulher que, porventura, pode ser tudo o que enumeram, mas pode ser muito mais do que isso.
A espada em cima da cabeça das mulheres é uma espada gigante, é uma guilhotina de dimensão bíblica, é constante e, muitas vezes, demasiadas vezes, manuseada por outras mulheres. Não há solidariedade. Quem teve filhos sabe que isto do corpo é uma chatice porque o corpo é um traidor. Não, desculpem, é um pouco mais básico: as mulheres sabem, todas as mulheres, que o corpo muda, que tem humores e odores, que não obedece aos critérios de exigência alheia. Não é só o ter filhos, é a menstruação, é a menopausa, é a pele a encarquilhar, os seios a descair, as estrias, as marcas de celulite.
Nem de propósito, nas imediações está uma revista de coração e eu, ingénua, procuro uma ferramenta para me distrair e não ouvir aquelas duas mulheres que devem ser perfeitas a todos os níveis. Abro numa página ao calhas e lá está o Leonardo DiCaprio, no auge da sua fama, com 45 anos, e com alguns quilos a mais, lado a lado com a namorada, Camila qualquer coisa — lamento, não retive o nome da senhora —, esbelta e perfeita nos seus 22 anos de idade. Caramba, aos homens não fica tão mal? Pois, parece que não. E discutirão os amigos os defeitos dos seus amigos desta forma infame? Dirão que o não sei quantos está gordo, abandalhado, que é esquisito e que não se cuida? Não creio, podem dizer outras coisas, já se sabe, mas este nível de destruição maciça é quase um exclusivo feminino. Talvez esteja a ser injusta? Talvez. Mas não oiço conversas entre homens desta natureza em cafés da cidade. Já sem espaço de manobra, ainda à espera da pessoa que se irá encontrar comigo, opto por olhar directamente para as duas megeras. Fixamente. A ver se se sentem incomodadas. Nada disso. Incomodadas? Não, estão cheias de razão e de rímel, senhores, alguma vez se irão sentir incomodadas com o olhar furibundo de uma outra mulher? Claro que eu, como a mulher hiper criticadas, sou esquisita.
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