De todos, os Estados Unidos da América talvez constituam o conjunto que melhor espelha a bipolaridade de um mundo ocidental que enche a boca com a democracia e a liberdade mas, quando fecha a porta de casa, ao fim do dia, prefere a segurança com uma espingarda na mão, e esquece quem construiu as torres onde trabalha diariamente…
A enorme comédia (ou tragédia…) desta campanha eleitoral americana talvez tenha sido mostrar, da forma mais rasca, básica, elementar, a contradição de que todos somos feitos entre a defesa de um regime “sexy” e a ameaça que sentimos diariamente. Trump promete um muro a separar o México dos EUA? A Europa ergue muros no Túnel de Mancha, em Calais, na Hungria. Trump é javardo e ordinário com as mulheres? E que fazem tantos militares a quem cabia defender refugiadas e imigrantes na Europa?
A ideia é sempre a mesma: nas eleições de há dois dias nos Estados Unidos, como na fragmentação ideológica e moral da Europa, o que está em causa é a profunda divergência entre o que a maioria pensa sobre a democracia e a forma como, perante a mais escassa ameaça, muda a atitude, mesmo que diga que não muda de ideias.
A democracia, o estado social, a liberdade, a livre circulação de pessoas e bens, a partilha cultural e a inclusão - tudo isto só faz sentido enquanto não são ameaçadas as nossas pequenas coisinhas: a casinha e os seus eletrodomésticos, o carrinho e a pintura metalizada, a ameaça de bomba no metro, o emprego e o subsidio anual para as férias no resort em Cancun.
Um dos falhanços mais burros do comunismo foi presumir que mudava a essência do ser humano, que trocava ambição por solidariedade, concorrência por complementaridade, e personalidades por cabeças acéfalas. Um pouco menos mal, a democracia presume que, sendo todos diferentes, somos capazes de, nos momentos chave, nos unirmos em nome de ética, moral, valores e um conjunto de bons princípios. Já vimos que sim. Já vimos que não.
Ou seja, lamentavelmente, parece não ser (sempre) verdade. Sentados nos sofás a ver pela TV o lavar de roupa suja, talvez tenhamos tido a tentação de pensar que na Europa as coisas são diferentes. Receio que não. Donald Trump foi o grunho sem filtro que, na hora da verdade, disse o que boa parte de nós faz: os outros que se lixem. Esperava que o feitiço se virasse contra ele. Mas nem isso aconteceu. O caos está descarado.
O jornalismo à procura do futuro
E a aventura de descobrir o futuro continua. Ninguém sabe, em rigor, qual será, como será, quanto custará, e acima de tudo quem vai pagar… Mas há experiências que vale a pena seguir. A página de Facebook do jornal espelho El País é um bom exemplo: mistura debate, informação, marketing, vídeos exclusivos, fazendo dela uma espécie de jornal B do diário e da sua edição online. A seguir.
Um dos mais populares jornais de Londres, o Evening Standard, com edições que se vão sucedendo ao longo do dia para venda na rua, optou online por uma mistura original de leitura livre e menos livre. A saber: as noticias mais comuns, são abertas a qualquer leitor. Aquelas que podem trazer algum entusiasmo ou mistério ao leitor - por exemplo, uma matéria com o titulo “Não leia este artigo com a sua mulher por perto…” - são patrocinadas por anunciantes que não lhe permitem chegar ao artigo sem antes “aturar” páginas e páginas promocionais. Não sei se funciona, mas sempre se vai lendo o jornal.
Uma estratégia já conhecida mas muito bem executada pela reputada revista norte-americana The Atlantic: artigos, ensaios, análises, obrigam a assinatura a versão digital da publicação. Porém, o site acrescenta-lhes gratuitamente vídeos (como este, sobre como podemos tornar uma crise de ansiedade num bom momento de excitação…), que constituindo, em si, informação e conteúdo, puxam pela revista e fazem-na mais apetecível. E assim vão os media tentando o seu caminho…
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