Foi revigorante ouvir o relato que o ex-administrador do Banif em representação do Estado e ex-administrador do Banco de Portugal, António Varela, fez da situação que conduziu à venda do banco. Não porque tivesse revelado informação efectivamente nova – mas pela extraordinária coloquialidade do relato. Varela disse que o Banif que encontrou em 2012, aquando da injeccção de 1100 milhões de ajuda pública pelo Estado português, "era um banco muito, muito mau, era um banco péssimo". Este banco que apelidou de péssimo tinha tudo para correr mal: "O que se escusava era que tivesse corrido tão mal". Falou ainda de Governos "de mãos atadas" – tanto o do PSD/CDS que validou a ajuda pública, como o do PS/Coligação de Esquerda que aprovou a venda no final de 2015. Mãos atadas porque bancos e contribuintes portugueses são uma gota de água no grande poço europeu – ou, como diz Varela, "estamos a falar de peanuts para essas entidades". E já agora porque é que tudo aconteceu tão rápido (além da razão imperativa decorrente da mudança de regras no que respeita às resoluções de bancos a partir de 1 de janeiro de 2016)? Porque tudo aconteceu em Dezembro, lá fora nevava e as lareiras tornavam-se acolhedoras, e as instituições europeias queriam – naturalmente – "prolongar as férias de Natal".
Este relato é uma espécie de história dos últimos 20 anos da Europa, da banca, e já agora da democracia num minuto. Só faltam os bonecos para ser um formato perfeito, tão ao gosto desta vaga de explicações do mundo para totós. Não será um relato exacto, é certamente tão parcial quanto aquele que qualquer outro participante neste filme contará, mas temos de convir que há uma grande probabilidade de bater certo numa série de factos.
Ainda há menos de duas semanas, o país dos políticos, empresários e comentadores andou entretido a discutir manifestos contra a espanholização da banca portuguesa. Os prós e contras eram, na realidade, cara e coroa da mesma moeda. Contra a espanholização porque precisamos de centros de decisão nacionais (pausa para suspirar). Contra os que estão contra a espanholização, porque o problema são os bancos portugueses, geridos por portugueses, falidos por portugueses (pausa para suspirar de novo). Aparentemente, uns e outros, não vêem qualquer padrão no que tem acontecido nos bancos Europa fora e mundo fora. Os Estados não conseguem dinheiro dos "seus" bancos nacionais, porque os "seus bancos nacionais simplesmente não existem, mesmo que sejam liderados por banqueiros com cartão de cidadão do país. Ah, e essa ideia de "dinheiro nacional"? também não existe, nomeadamente ou principalmente em países cronicamente endividados como é o caso de Portugal. Mas, também para que conste, e é verdade que temos um certo sentido de competição mesmo em coisas patetas, os portugueses não são especialmente melhores a falir bancos e a fazer desaparecer dinheiro do que os seus congéneres ingleses, espanhóis, franceses ou mesmo americanos. Damos conta do recado, como os casos BPN, BES e agora Banif exemplificam, mas parece que a virtude está no jogo e não nos jogadores.
O dinheiro não tem pátria e vai para onde é melhor tratado, lembram-se? É um dos mantras dos defensores do "deixem lá os mercados funcionar" e da tal "mão invisível" dos mesmos mercados (perdoa-os, Adam Smith), que tudo resolve, que tudo corrige. O dinheiro não tem pátria, mas tem donos. E quanto mais invisíveis são os donos disto tudo, mais em risco estão bancos, Estados e pessoas (e não necessariamente por esta ordem). Numa Europa cada vez mais opaca para os cidadãos, e com Estados cada vez mais reféns de funcionários e de dinheiro, ambos sem rosto, é difícil que não corra mal, como diz Varela.
Podemos é ainda tentar evitar que corra assim tão mal.
Tenham um bom fim-de-semana
Outras sugestões:
Começa hoje o congresso do PSD e, como a Eunice Lourenço, assinala neste artigo da Renascença, a data não foi escolhida ao acaso. O congresso começa hoje e na próxima segunda-feira, dia 4, é o primeiro dia em que o Presidente da República pode dissolver o Parlamento. Há uns meses parecia boa ideia – marcava-se o congresso, preparava-se uma vaga de fundo e acabava-se em Belém a pressionar por eleições que pusessem fim a um "governo ilegítimo". Um plano que, ao dia de hoje, a uns dará vontade de rir e a outros de chorar.
Os jornais britânicos The Times e The Sunday Times anunciaram um novo modelo editorial que passa pelo abandono da cobertura noticiosa ao minuto e pela aposta no tratamento aprofundado das histórias do dia. A edição online passa a ser actualizada em apenas três momentos diários: às 9h da manhã, ao meio-dia e às 17h. De repente, pode ser uma boa ideia simplesmente deixar de correr pelo minuto seguinte e tentar recuperar o papel principal do jornalismo e que não é, de todo, o de quem é mais rápido no gatilho ou na tecla. Até porque hoje, todos dão a notícia primeiro – os que a conseguem e os que a copiam.
E para fechar, este é um tema de missão para quem é missionário nesta causa. Entre 2009 e 2013, fecharam 4500 pubs na Grã-Bretanha. No último semestre de 2015, a tendência confirmou-se, tendo sido atingido o número mais baixo da década de pubs abertos. Bebe-se mais, nomeadamente mais cerveja, mas a crise toca a todos e no supermercado é mais barato do que no pub. Não é só disso que se trata, como conta a BBC, mas o que importa mesmo é garantir que os pubs não terão uma "last order".
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