Os estudos poderiam querer enganar-nos, mas a realidade ainda somos nós quem a faz todos os dias. E certamente todos os dias há menos um espectador clássico de televisão, e no seu lugar nasce o programador da sua própria emissão, vista na plataforma que entende, às horas que quer, e como quer. Os estudos reconhecem-no, por piores que estas notícias sejam para os seus principais utilizadores, que constitui toda a gama de intermediários que nasce no produtor e acaba no consumidor. Nunca como hoje fomos tão donos das nossas escolhas – com dinheiro, sem dinheiro, em espaço público ou privado – o que deve dar dores de cabeça a quem tem por obrigação vender-nos “coisas” em massa. Costumo dizer que o único lugar onde ainda me apanham a ver publicidade num ecrã é mesmo nas Caixas Multibanco, porque sou forçado a esperar pelas instruções do bonequinho...

Ainda assim, deve haver uns “chatos” profissionais cuja missão consiste em atazanar a cabeça dos publicitários, dos compradores de espaço, dos negociadores dos canais de TV, e que ainda não perceberam quão prejudicial pode ser a publicidade martelada para quem só aguarda pacientemente pelo bloco de notícias seguinte.

Falo por mim. Escolho os raros programas que me interessam nas TV’s generalistas e de cabo, e opto por gravar e ver mais tarde, ou agarrar-me ao comando a puxar “a fita” para trás (tão anos 80, não é?). Mas confesso que ainda sou um “viciado” em noticias e, além de um dos três telejornais dos canais generalistas (vou alternando, sem grande critério...), acabo por “perder” mais alguns bocados da noite no clássico zapping por entre os canais informativos especializados (incluindo a CMTV, não me envergonha dizê-lo...). Imagino que, desorientados e sem margem de manobra, os negociadores de espaço, depois do “discurso oficial” sobre os media, que não estão a saber adaptar-se ao digital (como se eles tivessem no bolso a chave do tesouro...), cedam ou convençam — ou se convençam — que chegam lá pela insistência.

O resultado é trágico: além de desligar o som quando sou apanhado na curva por um bloco publicitário de longuíssimos minutos, tenho um top de marcas e produtos que, de tantas vezes me chamarem atrasado mental, martelando na mesma mensagem e no mesmo discurso, como se tivesse cinco anos, estão riscados da lista de potencial cliente, mesmo que “de borla”. A memória é manhosa, mas nunca me verão tomar Memofante; talvez pague os mais caros seguros do automóvel do mundo, mas não me passa pela cabeça ligar à Teleseguros; o nome Trivago causa-me urticária; recuso-me a entrar na Worten; só a tiro de caçadeira abrirei conta no Bankinter; e fujo a sete pés das promoções da marca Finish. Não adianta falar de automóveis e de promoções do mundo das telecomunicações, porque a confusão e a tentativa de canibalizar mercados chegou ao ponto de já não distinguir um BMW de um Renault. Este conjunto pequeno daquilo a que chamo “marcas-melga” está a afastar-nos até dos produtos de que potencialmente seríamos compradores e a que ainda nos prendia alguma publicidade: a imaginação, a criatividade, a surpresa, o momento bem escolhido para entrar “no ar”. No desespero de vender um pouco mais pela insistência, pela martelada, pela falsa ideia de que somos moscas atrás do néon iluminado, causa repulsa e só consegue incomodar.

Nos (escassos) casos contrários, uma marca consegue criar empatia até com aqueles que a podem dispensar, por fazer efectivamente parte dos seus dias. Recordo agora – e é recente - a campanha que assinalou os 90 anos da cerveja Super Bock. Os filmes históricos. Os vídeos virais. As edições com receitas antigas. As garrafas e os rótulos. Sem incomodar em demasia. Escolhendo os espaços e horários adequados.

É um excelente exemplo para responder a esta espécie de esquizofrenia que tomou conta dos bocadinhos em que ainda “nos apanham” a ver televisão. Ninguém quer pensar nisto? Ou preferem continuar a perder tempo a dizer que os media estão perdidos e, nestas circunstâncias, o melhor é assobiar para o ar e subir o volume do som quando gritamos, como a Mafaldinha, “não me gritem!”.

Nota: Todas as referências a marcas, produtos, e a escolha final dos anúncios, é pessoal, sem qualquer interferência de empresas de qualquer espécie, e inteiramente assumida como integrante de uma filosofia de vida onde a publicidade faz parte da comunicação e da informação. Aliás, nenhuma destas marcas foi sequer por mim contactada (ou me contactou) no âmbito desta ou de outra matéria.

Intervalo... para publicidade

Página da Super Bock, onde aos vídeos virais, dedicados, carinhosos, se juntam Histórias, memórias, e uma ligação afectiva que marca a diferença. A marca talvez nem precisasse de “tanto” – mas merece viver 90 anos a fazer amigos...

No ano que vem, este spot criado no Brasil para a Nike, no âmbito da participação do país no Mundial de Futebol de 1998, faz 20 anos. Continua a ser, para muitos especialistas, dos melhores do mundo. Storytelling antes de ser “moda” contar histórias.

E para fechar, numa altura em que resgatar animais, respeitá-los, cuidar deles e deixar definitivamente que sejam apenas moda do momento, um spot cuja curta mensagem, mas a profunda banda sonora, e sensível realização, não nos consegue deixar indiferentes.

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